Fernanda Mena

Jornalista, foi editora da Ilustrada. É mestre em sociologia e direitos humanos pela London School of Economics e doutora em Relações Internacionais.

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Descrição de chapéu Coronavírus

Brasil está sob ataque biológico, químico e institucional; só mercado não se espanta

Entre o front da pandemia de coronavírus e a guerra pró e contra a cloroquina, Bolsonaro ameaça instituições e quer armas de fogo

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São Paulo

O Brasil está sob ataque em ao menos três frentes —biológica, química e democrática— quando se pensa em direitos constitucionais e, neste momento em especial, no direito à vida.

Tem um novo vírus matando mais de 1.000 brasileiros por dia. Tem uma substância chamada cloroquina que o governo quer impor ao sistema de saúde sem comprovação de sua segurança ou eficácia terapêutica. E tem uma série de evidências de que o respeito às instituições democráticas não faz parte do DNA do governo de Jair Bolsonaro, dentre elas o vídeo de reunião ministerial do presidente de 22 de abril.

Na frente biológica, de prevenção à disseminação do coronavírus, o Brasil naufraga. Chegou à vice-liderança do triste ranking global de casos confirmados de Covid-19 durante a pandemia, atrás apenas dos EUA. "Make America great again" era o slogan que Donald Trump proclamava na campanha que o elegeu, em 2016.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que a América Latina é o novo epicentro da pandemia do coronavírus, e que o caso brasileiro é o mais preocupante. Ou seja, deve faltar muito pouco para o Brasil se tornar o epicentro em si. "Brasil acima de tudo" foi a frase que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) usou em sua campanha para emular o presidente norte-americano. Não se imaginava que "tudo" fosse uma lista com 181 países atingidos pela pandemia.

Neste contexto, é preciso lembrar que o presidente brasileiro incentivou brasileiros, desde o início da pandemia, a adotarem comportamentos contrários às recomendações médicas e sanitárias, expondo-se desnecessariamente ao vírus.

Na frente química, o governo federal insiste em estabelecer a cloroquina e a hidroxicloroquina como parâmetros de tratamento da Covid-19, mesmo que as substâncias não tenham efeitos comprovados no tratamento do coronavírus. Ao contrário, diversos estudos internacionais apontaram que as substâncias não só não ajudam o paciente infectado com o SARS-CoV-2, como podem agravar seu estado de saúde. O mais recente dele, desta semana, observou mais de 96 mil casos.

Na última quinta-feira, a secretaria de Comunicação do governo retirou postagem em uma rede social na qual declarava que a "hidroxicloroquina é o tratamento mais eficaz contra o coronavírus atualmente disponível". Somada às muitas declarações do presidente enaltecendo a substância, a mensagem deixa claro que algum estrago já foi feito. Levando-se em consideração que dois ministros da Saúde deixaram a pasta durante a maior pandemia da nossa era e que agora a pasta está sob o comando de militares, a questão ganha ares sinistros.

Na frente democrática, cuja crise ampara os impropérios das outras duas batalhas, o presidente já constrangeu o STF e o Congresso ao apoiar manifestações de cunho golpista. O ministro da Justiça, Sérgio Moro, abandonou o governo ao denunciar que o presidente queria interferir no trabalho da Polícia Federal, nomeando seus superintendentes no Rio e em Brasília. Ambas mudanças foram, de fato, concretizadas após a saída de Moro do governo.

Na reunião ministerial do presidente de 22 de abril, cuja gravação foi liberada na sexta (22), o ministro da Educação, Abraham Weintraub fala em prender vagabundos, "começando no STF", a ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, disse que pediria a prisão de prefeitos e governadores por determinarem medidas de distanciamento social, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fala em aproveitar que a crise toma a atenção da imprensa para "ir passando a boiada e mudando todo o regramento".

Mais graves, no entanto, são os indícios que corroboram a denúncia de Moro de que Bolsonaro queria interferir diretamente no comando da Polícia Federal e, mais precisamente, na superintendência do Rio de Janeiro, a partir da qual seu filho Flávio Bolsonaro era investigado, bem como seu amigo Fabrício Queiroz, ex-policial militar ligado a milícias que trabalhava no gabinete de Flávio e cuja filha trabalhava no gabinete de Jair.

Na reunião, Bolsonaro disse ainda querer "todo mundo armado" e pediu providências ao então ministros da Justiça e ao ministro da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva que permitissem à população adquirir armas de fogo para evitar, diz o presidente, que se instaure uma ditadura no país —que, paradoxalmente e de maneira curiosa, é o receio que se tem em relação a ele, cercado de militares por todos os lados.

O mais surpreendente, no entanto, foi a reação do mercado financeiro, que achou a reunião positiva, porque parece não ter o potencial de provocar um impeachment tão logo e mostra Paulo Guedes consolidado no meio daquela desgraça. O mercado de futuros fechou na sexta-feira projetando bolsa em alta e dólar em baixa. Sem compromisso com a estabilidade política ou com o bem-estar das pessoas, o mercado parece ter sido o único a comemorar os ataques ao Brasil.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto dizia que o Brasil é vice-líder no ranking de mortes por Covid-19, mas o correto é vice-líder no ranking de casos confirmados da doença, atrás dos EUA. O erro foi corrigido.

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