Fernando Schüler

Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.

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Fernando Schüler
Descrição de chapéu estados unidos educação

O que o furacão Katrina pode nos ensinar sobre como mudar a educação

Nova Orleans assistiu a mais rápida e bem-sucedida virada da história da educação americana

Em agosto de 2005, o furacão Katrina arrasou a cidade de Nova Orleans, a capital do jazz nos Estados Unidos. Das 126 escolas da rede pública, 110 foram destruídas ou seriamente atingidas. Era preciso reconstruir tudo praticamente do zero, com um agravante: o sistema de educação da cidade já funcionava muito mal, antes mesmo da tragédia. Nova Orleans ocupava a segunda pior posição entre todos os distritos do Estado de Louisiana. Apenas 56% dos estudantes conseguiam concluir o ensino médio e menos de metade deste contingente conseguia ingressar em uma universidade.

A solução tradicional, depois do furacão, teria sido reconstruir as escolas, uma a uma, e prosseguir com o velho e falido modelo estatal. A cidade, porém, decidiu tomar um caminho diferente. Sob a liderança de gente inovadora, como a governadora democrata Kathleen Blanco e a líder civil Leslie Jacobs, decidiu-se substituir o velho modelo por uma rede de escolas privadas ao estilo charter.

Nos dez anos seguintes, Nova Orleans assistiu ao que muitos consideram a mais rápida e bem-sucedida virada da história da educação americana. Até 2005, 60% das crianças estudavam em escolas na faixa das 10% piores do Estado. Dez anos depois, eram apenas 13%. O dado mais surpreendente: uma década após a conversão do sistema, 73% dos alunos conseguia concluir a high school e o percentual de ingressantes na universidade praticamente triplicou, saltando para 61%.

Sala de aula
Sala de aula do colégio em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

Um estudo da Tulane University procurou identificar as razões do sucesso do novo modelo. A primeiro foi a rápida diversificação das escolas e o aumento da competição, dada pela possibilidade de escolha por parte dos pais. Outra razão diz respeito à flexibilidade de gestão e no trato de pessoal. Escolas charter funcionam como qualquer escola particular, e tem liberdade para contratar professor com o perfil adequado a cada circunstância, e descontratar, quando preciso. Por fim, o item que possivelmente tenha o maior impacto: a possibilidade de trocar as instituições gestoras das escolas com baixo rendimento acadêmico. Se uma escola não cumpre as metas estabelecidas, o conselho distrital simplesmente não renova o seu contrato.

David Osborne lançou recentemente Reinventing America’s Schools. Para quem não se lembra de Osborne, ele foi o autor, junto com Ted Gaebler, de Reinventando o Governo, livro que marcou uma virada para a gestão pública empreendedora, nos anos 90. Em seu novo livro, ele detalha as transformações em curso na base da educação americana, da qual Nova Orleans é apenas um exemplo. Osborne se define como um progressista renovador, na linha de Clinton e Obama, que gosta de explicar sua visão de gestão pública com a seguinte imagem: o governo dá o curso da navegação, mas deixa os remos com o setor privado, com fins lucrativos ou filantrópicos. Isto é: o governo planeja, fixa metas, avalia, mas a gestão é feita pelo mercado e pelas organizações da sociedade civil.

No mundo da educação, o caminho é retirar a gestão da burocracia pública e formar uma rede de escolas com autonomia, funcionando sob contratos com o governo e avaliadas por desempenho. Ele observa que existem hoje 44 diferentes legislações de charter schools nos Estados Unidos. Trata-se de um amplo terreno para aprendizagem. É preciso escolher bons gestores, ter clareza nas metas, obsessão por resultados e contratos bem feitos. E ser duro na substituição de instituições de baixa performance. É um processo fácil? Não creio. Fácil é deixar tudo como está, como costumamos fazer no Brasil, imaginando que tudo poderá ser diferente em dez ou vinte anos.

Nenhuma cidade brasileira precisa de um furacão para mudar sua educação. O Brasil tem uma legislação pronta para ser utilizada: a Lei 13.019/14, sancionada pela Presidente Dilma. Ela permite assinar termos de colaboração com o setor privado sem fins lucrativos para a gestão de serviços de educação, entre outras áreas. Já existem experiências em curso, país afora, e um imenso caminho para fazer nossa educação básica sair da órbita do mando corporativo e voltar os olhos para o desempenho e inclusão real dos estudantes de menor renda. O país pode aprender com a experiência global, realizar a mudança no ritmo certo e abrir novas alternativas sem nenhuma contradição com o esforço de melhorar o sistema público tradicional

Ana Carla Abrão escreveu um belo artigo com o título “o Brasil não sabe educar”, observando que em um país injusto com o nosso, a educação pública gratuita básica é uma política de redução de desigualdade. Pouca gente conhece mais o setor público brasileiro do que Ana Carla. As mazelas da burocracia estatal, do privilégio, a ausência de meritocracia e a crônica instabilidade política. Pois bem: nós estamos jogando o custo disso tudo nas costas dos estudantes mais pobres, e com isso aumentando, por vezes sem nos darmos conta, o fosso da desigualdade. Diria que o problema não está em nossa incapacidade para educar, mas no modelo de estado que adotamos, no Brasil, que nos faz enxugar gelo. A boa notícia é que temos alternativas para mudar, e que muitos gestores, de maneira silenciosa, país afora, já estão colocando mãos à obra.

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