Fernando Schüler

Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Fernando Schüler

O que realmente faltou nos discursos da posse

A hora é de pensar grande e o país parece aberto a um novo ciclo de reformas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Há quem tenha ficado incomodado com a menção da palavra “socialismo” no discurso inaugural de Bolsonaro. Causou certa surpresa o presidente eleito, logo no primeiro dia, soltar uma frase que já tinha repetido umas 200 ou 300 vezes na campanha eleitoral.

Outros ficaram chateados com a ausência da palavra “mulher” no discurso de Michelle Bolsonaro. Haveria uma discriminação aí, mesmo que sutil. Houve ainda quem sentiu falta da palavra “pobreza”, ou de alguma referência aos brasileiros mais pobres, ao longo da cerimônia.

Tem lógica o incômodo. É raro, no Brasil, ao menos desde Getúlio, um político que faça um discurso sem referência aos mais pobres. Talvez por isso sejamos um país tão justo.

De minha parte, nada disso incomoda. Confesso que me dá certo sono quando o presidente fala em “ideologia de gênero” ou no combate ao “marxismo cultural”, o que faz lembrar minhas leituras juvenis de Ernesto Laclau (não tenho certeza se é disso que o presidente está falando).

O que de fato me surpreendeu, nos discursos de posse e no percurso da transição, é a solene ausência de qualquer referência a uma reforma das instituições políticas no país.

Vamos lá. As eleições apontaram um claro esgotamento do atual sistema eleitoral e partidário. Candidatos sem tradição política se elegeram em estados importantes, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, e chegamos a 30 partidos na Câmara dos Deputados, um caso extremo de fragmentação política entre as democracias atuais.

A montagem do novo governo seguiu a mesma direção. Bolsonaro simplesmente não levou em consideração os partidos, no Congresso, para formar sua equipe ministerial. É um experimento novo, prometido na campanha e cumprido na transição, sob o aplauso majoritário da sociedade.

Mas há um sintoma aí. Nosso sistema eleitoral fracassou. O país abriu mão de ter uma cláusula de barreira, em 2006, por decisão do Supremo, expandiu os recursos do fundo partidário, permitiu ampla liberalidade para coligações e migrações entre partidos. O resultado é previsível.

É possível que Bolsonaro consiga estruturar uma base minimamente consistente, no Congresso, para aprovar as reformas que o país precisa. Mas o modelo não é sustentável. Partidos representam quase nada, e a fragmentação extrema impõe um custo, a cada negociação, que simplesmente não vale a pena pagar.

É preciso reformar as instituições, e o governo tem um mandato para liderar este processo.

Na última legislatura, o Congresso chegou a discutir a implantação de um sistema de voto distrital misto proposto pelo senador José Serra, mas o projeto não foi adiante. Em seu lugar, aprovou-se uma tímida cláusula de barreira e a proibição de coligação nas eleições proporcionais.

O país precisa retomar o debate em torno do sistema distrital misto. Há múltiplos exemplos de países que conduziram processos de reforma com grande êxito. A Nova Zelândia é um caso exemplar, com a reforma feita no início dos anos 90 via consulta popular. O Brasil tem experiência e previsão constitucional para realizar este tipo de consulta. Bastam inteligência e vontade política para levar o processo adiante.

Para pensar pequeno, fazer cara feia, destilar mau humor e implicar com esta ou aquela palavra ou frase de efeito, no enfadonho debate público brasileiro, já temos gente de sobra, nas redes sociais.

A hora é de pensar grande e o país parece aberto a um novo ciclo de reformas.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.