Fernando Schüler

Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.

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Fernando Schüler

A banalidade do mal e as perguntas que não sabemos fazer

Há muita coisa complexa no massacre de Suzano, mas há algumas muito simples: a falência da escola e a indiferença burocrática de nosso sistema de educação

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Era um “bobão”, diz a mãe, Tatiana, sobre o filho Guilherme. “Ele tinha tudo, TV à cabo, internet...e faz isso?”.

O avô dizia que Guilherme era um “menino bonzinho, que nunca dava trabalho”. Passava quase o tempo todo jogando videogame, em casa, na lan house. Costumava gritar “mata, mata”, olhando fixo para a tela.

Usava um colarzinho com a suástica nazista. Uma besteira qualquer, coisa de guri que anda vestido de preto, sempre grudado com o único amigo, meio isolado, meio sem direção e com raiva do mundo. E estranhamente quieto.

Nos últimos tempos, a dupla andava metida com uma comunidade marginal e criminosa na deep web, onde por fim encontraram um jeito de fantasiar heroísmo e comprar armas.

Não é difícil perceber o elemento complexo disso tudo. A mãe drogada, o pai ausente, a morte da avó, as espinhas na cara, o bullying na escola, o vício nos games violentos, a mística vulgar revelada na ideia de “partir como heróis” e encontrar as “sete virgens”.

Missa em homenagem as vítimas da escola Raul Brasil, em Suzano, interior do estado de São Paulo
Missa em homenagem as vítimas da escola Raul Brasil, em Suzano, interior do estado de São Paulo - Eduardo Anizelli/Folhapress

Me chama a atenção a saída da escola. O que acontece exatamente quando um adolescente de 15 ou 16 anos decide simplesmente abandonar os estudos? Guilherme não saiu por pressão econômica. Saiu porque deu na telha. A turma zoava da cara marcada pelas espinhas e ele resolveu dar no pé.

A partir daí, o que acontece? Numa família razoavelmente estruturada, em uma escola particular, é difícil pensar numa situação dessas. Os pais vão atrás, a escola vai atrás, entra um psicólogo no jogo. Tudo pode dar errado, no fim das contas, mas é difícil que aconteça.

No caso de Guilherme, alguém foi efetivamente saber o que se passava? O Estado tratou tudo como mais um procedimento burocrático, ou alguém foi de fato a fundo para saber o que se passava com um aluno que, do dia pra noite, resolveu largar a escola e gastar o tempo jogando videogames?

Há muita coisa complexa nessa história toda, mas há algumas muito simples. Uma delas é a falência da escola. Da indiferença burocrática de nosso sistema de educação.

Também aí reside uma “banalidade do mal”.

De um modo mais amplo, é um pouco disso que se vê, no dia seguinte ao massacre, na repercussão que os políticos deram ao caso.

De um lado, leio que a culpa de tudo é do acesso às armas, à flexibilização da posse. Leio uma deputada indo mais longe: a culpa seria do incentivo à violência feito pelo atual presidente.

De outro, leio que deveria haver funcionários e professores armados na escola. Eles poderiam ter reagido. Leio que Guilherme era menor de idade, e que tudo pode dizer respeito à redução da maioridade penal.

É quase inacreditável ler este tipo de coisa de quem deveria liderar o País.

Me vem à cabeça o vaticínio de Tzvetan Todorov, de que “o primeiro inimigo da democracia é a simplificação, que reduz o plural ao singular e com isso abre espaço a toda forma de excesso”.

Todorov fala do excesso como descontrole, besteira, irresponsabilidade, destempero. Tudo que nos impede de fazer as perguntas que mereceriam ser feitas depois de um dia triste como o de ontem.

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