Fernando Schüler

Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Fernando Schüler

As reformas são do país, não do governo

Virou moda chamar de liberais coisas sobre a racionalidade do setor público

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alguém acha razoável a proliferação de municípios ocorrida após a Constituição de 1988? Aumentamos em 35% o número de prefeituras, sendo 53% em cidades com menos de 5.000 habitantes. Em regra, sem a mínima sustentabilidade fiscal. A arrecadação própria, que poderia ir para o investimento, mal paga a máquina política local. Faz sentido isso? Revisar essas coisas é fruto da cabeça de algum monstrinho liberal?

Alguém acha razoável que os estados ponham a mão nos depósitos judiciais, fruto de ações entre particulares, para tapar suas contas no vermelho? Ou acha ruim que incentivos fiscais sejam revisados, de tempos em tempos, e que se estipule um teto para as desonerações, no plano da União?

Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Paulo Guedes (Economia), Jair Bolsonaro e Davi Alcolumbre (DEM-AP) em ato de entrega do pacote econômico do governo ao Senado - Pedro Ladeira/Folhapress

O que há de especialmente liberal nisso? Virou moda, no Brasil, chamar de liberais (por vezes com o “ultra” na frente) coisas que simplesmente dizem respeito ao rigor fiscal e à racionalidade do setor público. Não deixa de ser um elogio ao liberalismo, mas no fundo é um truque: joga para a conversa ideológica temas que são, de fato, uma defesa do setor público e de sua capacidade de funcionar.

Acho curioso quem enche a boca para defender nosso atual modelo de Estado. Modelo que nos levou a um investimento pífio, dívida batendo a 80% do PIB, déficit crônico, 94% do Orçamento engessado e oferecendo, para 85% de nossos estudantes, um dos piores sistemas de educação do mundo, segundo o Pisa, da OCDE. Alguns usam a imaginação, dissociando o modelo de suas consequências. Tento escapar disso.

A agenda de reformas proposta pelo governo não tem nada de especialmente liberal. Seu foco é a viabilização do Estado, e a partir daí coisas óbvias: capacidade de investir, pagar em dia, oferecer segurança jurídica, criar ambiente para o investimento privado. Nada que um bom governo social-democrata não poderia, ou deveria, fazer.

Paulo Guedes comete uma injustiça quando apresenta sua agenda. Houve DNA reformista (liberal ou social-democrata, não importa), no passado brasileiro recente. A atual agenda segue em linhas gerais a pauta de reformas que o país empreendeu nos anos 1990, do real, privatizações, emenda 19 à Constituição, até a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O mesmo valendo para o ciclo reformista que se abriu em 2016, com a Lei das Estatais e a PEC do Teto de Gastos. Reformas que nos permitem ter juro baixo e perspectiva real de crescimento, ainda insuficientes para recuperar o estrago produzido na crise de 2015/2016. É disso que trata a atual agenda. A dúvida é se temos liderança para fazer isso acontecer, se o Congresso mantém seu ímpeto reformista, se o ano eleitoral não irá servir como freio.

É previsível que o Congresso faça os ajustes devidos na agenda de Guedes. Igualzinho ao que ocorreu na reforma da Previdência. O governo sai na frente, propõe uma pauta reconhecidamente mais ousada, e o Congresso faz a sua parte. Na prática, aproxima o resultado final de um ponto mediano no sistema político, produto da correlação de forças no Congresso, para o bem ou para o mal.

É assim a democracia, não é mesmo? É assim que funcionaram as coisas no Brasil, seja em pautas do coração do bolsonarismo, como a flexibilização do porte de armas, seja na pauta econômica, como a Lei da Liberdade Econômica. Isso só mostra o óbvio, que irrita tanta gente: que a democracia modera a tomada de decisões, aproxima posições, no mundo real da política, apesar do irresistível gosto de alguns pela histeria.

A pergunta óbvia a fazer diz respeito à viabilidade política das reformas. Muito se criticou a recusa ou incapacidade do governo de criar uma maioria estável no Congresso, mas esse arranjo é hoje nossa melhor aposta. Esse equilíbrio instável que por vezes chamei aqui de modelo de corresponsabilidade. Da reforma que a um certo momento perde o carimbo do governo e passa à órbita de responsabilidade do Congresso.

Escutei de gente boa que a aprovação dessas medidas significaria dar não sei quantos “créditos ao governo”. Pensamento velho e pequeno, compartilhado por quem prefere que o país exploda, desde que isso renda uma boa “lacrada” na internet. O que está em jogo não é o governo, mas o país. 

O governo daria uma bela ajuda se reduzisse o volume de trapalhadas e conflitos inúteis, visto que a oposição por certo não o fará. De qualquer modo, nosso sistema político já deu mostras de que consegue avançar em meio à gritaria e à instabilidade que se tornaram o feijão com arroz de nossas democracias na era digital.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.