Fernando Canzian

Jornalista, autor de "Desastre Global - Um Ano na Pior Crise desde 1929". Vencedor de quatro prêmios Esso.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Fernando Canzian

Não dá para já ir se acostumando

Risco é achar que calmaria no mercado vai durar e janela de oportunidade fechar

Com turbulências pontuais, os últimos anos foram de tranquilidade nos mercados globais. O Brasil se beneficiou disso e Jair Bolsonaro tem uma janela de oportunidade à frente. Se não aproveitá-la, é capaz que ela bata com força em nossa cara.

Para voltarmos a crescer, é preciso responder a uma pergunta: o Brasil vai quebrar?

A resposta está no setor público. Somando Previdência, funcionalismo e gastos obrigatórios, sobram 10% da receita para tocar a máquina. Se não arrumarmos isso, será inevitável ao governo tomar cada vez mais dinheiro emprestado a juros no mercado.

Isso ampliará a dívida pública e aumentará a bola de neve de R$ 420 bilhões ao ano que o país paga em juros. Rolando, ela já fez a dívida pública crescer 20 pontos (para 77,5% do PIB) em apenas quatro anos.

Das despesas federais, 45% são gastos com Previdência. Se isso for reduzido com a reforma esperada, cairá a necessidade de endividamento do governo e evitaremos uma avalanche.

Nossa janela de oportunidade é que hoje existem trilhões de dólares no mercado internacional atrás de oportunidades, e parte disso é que financia nossos gastos insustentáveis –comprando títulos do governo brasileiro em troca de juros.

Os estrangeiros detêm hoje cerca de R$ 450 bilhões em títulos federais, ou 12% de uma dívida de R$ 3,8 trilhões. Só parece pouco. Sem esse dinheiro, sairia bem mais caro ao governo se financiar.

Esses dólares também entram no Brasil atrás de ações de empresas, o que as ajuda a bancar suas atividades e investimentos. Do volume negociado diariamente na Bolsa, metade é com dinheiro de estrangeiros.

O grande risco à frente é secar esse financiamento ao governo e às empresas, o que seria péssimo para nossa recuperação incipiente.

Isso pode ocorrer porque a economia americana está quente demais, com a inflação em alta. E o mercado já espera que o banco central dos EUA aumente os juros mais agressivamente em 2019 para tornar o custo de financiamentos mais caros por lá, esfriando um pouco as coisas. 

Isso levará investidores estrangeiros a comprar mais títulos do governo americano, que estarão pagando juros maiores e que são considerados o investimento mais seguro do mundo.

Logo, haverá menos dinheiro de fora no Brasil.

A aversão em financiar o rombo orçamentário e as empresas brasileiras será tanto maior quanto mais elevado for o buraco nas contas do governo. E quanto maior a dúvida em relação à questão inicial: o Brasil vai quebrar?

Quando se fala em reforma da Previdência, é disso que se trata. De interromper a trajetória de descontrole das contas e dívida públicas, que acaba tendo impacto sobre todo o setor privado, via confiança de investidores estrangeiros e internos na solvência do país.

O governo Jair Bolsonaro e a equipe de Paulo Guedes têm o diagnóstico correto do problema. Agora, terão de convencer 3/5 do Congresso disso e aprovar a Previdência.

O maior risco será nos acostumarmos à calmaria atual enquanto a janela se fecha.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.