Fernando Canzian

Jornalista, autor de "Desastre Global - Um Ano na Pior Crise desde 1929". Vencedor de quatro prêmios Esso.

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Fernando Canzian
Descrição de chapéu Desigualdade global

Em mundo imprevisível, desigualdade não é questão filosófica

Achatamento da renda e endividamento recorde no Ocidente estão na raiz de reações políticas desagradáveis

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Por vias tortas, a guerra comercial dos EUA contra a China escancarou como a globalização contribuiu para o inédito progresso que a humanidade vive nos últimos 30 anos.

Atacada por líderes populistas como Donald Trump e movimentos como o brexit, ela ajudou a tirar da miséria mais de 1,3 bilhão de pessoas na Ásia, na África e na América Latina.

Com a exceção de nações como Nigéria, Sudão, Congo, Venezuela e do Brasil (na recessão de 2014-2016), a maioria dos países vêm diminuindo consistentemente o número de miseráveis.

Segundo o World Data Lab, com dados do Banco Mundial, o mundo tem hoje pouco mais de 595 milhões de pessoas na extrema pobreza. Há três anos, eram 652 milhões. Hoje, cerca de 30 mil pessoas escapam da miséria diariamente.

DESIGUALDADE GLOBAL
Moradores de Braddock, nos EUA, escolham roupas que são distribuídas gratuitamente - Lalo de Almeida/Folhapress

Na outra grande onda mundial globalizante, entre o final do século 19 e início do 20, foram países como os EUA, a Inglaterra e os demais europeus que se beneficiaram e enriqueceram com o aprofundamento das relações comerciais no Atlântico.

Nas últimas décadas, foi a vez da Ásia, com o deslocamento da produção global atrás de mão de obra mais barata em relação à disponível no Ocidente —justamente porque esse lado do globo já havia enriquecido.

No caso da China, o rápido desenvolvimento se deu pela cópia, com adaptações peculiares, do modelo capitalista ocidental. Ele conduziu o país à maior história de sucesso global de que se tem notícia.

A dependência nesse modelo é tamanha que, ironicamente, são os chineses agora a defender o livre comércio e as regras da OMC para se proteger dos ataques de Trump.

No caso do Ocidente, o que ocorre hoje não é exatamente um empobrecimento que estimula reações extremas, como o populismo e as agressões a outros países.

De 1980 para cá, a renda real média (descontada a inflação) dos norte-americanos aumentou 63%; dos europeus, 40%. Na China (e vem daí seu progresso), a renda cresceu 831%. Na Índia, 223%, segundo dados do Relatório da Desigualdade Global.

Mesmo assim, cerca de 85% das pessoas de alta renda no mundo ainda vivem no Ocidente, já que a melhora asiática partiu de base muito baixa.

Portanto, o que explicaria a “malaise” entre os eleitores do Ocidente, o populismo e o baixo crescimento não seria a estagnação dos rendimentos, mas sua distribuição.

Nos EUA, por exemplo, enquanto a renda dos 10% mais ricos aumentou 120% desde 1980, ela se manteve estagnada para a metade mais pobre. Na Europa, o crescimento nessa faixa mais rica foi mais que o dobro daquele na metade mais pobre (58% a 26%).

Não se trata aqui de um problema moral, nem de criticar os ricos e empreendedores inventivos por se tornarem ainda mais ricos. Isso é saudável e puxa o desenvolvimento pela ponta mais dinâmica da economia.

O problema, como assistimos ao vivo, é bem menos filosófico. 

Pois são o achatamento da renda e o endividamento recorde de imensas parcelas da população no Ocidente que parecem estar na raiz de algumas reações políticas e econômicas bruscas e desagradáveis.

E, sendo pobre ou rico, poucas coisas são mais nocivas à vida econômica do que a falta de previsibilidade.

Acompanhe a série Desigualdade Global em folha.com/desigualdadeglobal

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