Fernando Canzian

Jornalista, autor de "Desastre Global - Um Ano na Pior Crise desde 1929". Vencedor de quatro prêmios Esso.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Fernando Canzian
Descrição de chapéu

Munição disponível contra crise que nunca acabou pode estar perto do fim

Pânico nos mercados tem mais do que razões conjunturais, e perda de renda da classe média ajuda a explicar o risco de uma nova recessão

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O pânico que tomou conta dos mercados tem mais do que razões conjunturais, baseadas em dados negativos de produção em 3 das 5 maiores economias do mundo.

A venda pesada de ações sugere que investidores estão acordando para problemas estruturais na economia mundial, como a estagnação da renda, e reconhecendo a cada vez mais limitada munição que os bancos centrais dispõem para enfrentar uma eventual grande crise.

O mercado global estava tenso desde o fim de julho, quando Alemanha e Reino Unido revelaram quedas na produção industrial para o menor patamar em sete anos.

Ontem, enquanto a China divulgava que suas fábricas caíram para o ritmo mais lento em 17 anos, a Alemanha anunciou encolhimento de 0,1% do PIB no trimestre até junho.

Linha de produtiva do frigorífico Kerchin próximo a Tongliao, na Mongólia Interior - Lalo de Almeida/Folhapress

Ruins o bastante, as notícias se apresentaram no precário palco de fundamentos da economia mundial; e diante de investidores que já vinham fugindo de aplicações de risco como ações.

Existem hoje no mundo US$ 15 trilhões (mais que o PIB da China) de investidores aplicados em títulos públicos de baixo risco e que rendem menos do que a inflação.

O dinheiro está lá porque os seus donos preferem perder um pouco a expô-lo a riscos. Diante do pânico desta quarta (14), houve nova corrida para esse tipo de papel, sobretudo nos EUA.

Outros investidores têm fugido para o ouro, e o metal já acumula alta de 27% em 12 meses. Ou para notas físicas de US$ 100, cuja demanda hoje é recorde, segundo o FMI, porque investidores temem tanto tensões geopolíticas quanto o colapso dos mercados.

Apesar da aversão ao risco, índices das Bolsa de Valores de Nova York vinham batendo recordes históricos, mesmo sem que o lucro projetado de muitas empresas justificasse o valor dos papéis.
Como assim?

O aparente paradoxo é explicado pelas decisões que os bancos centrais das principais zonas econômicas do planeta tomaram desde a grande crise global de 2008-2009.

Para salvar o mundo de um colapso, eles baixaram agressivamente suas taxas básicas de juro e injetaram desde então cerca de US$ 15 trilhões no mercado global comprando títulos de governos e de empresas em dificuldades.

Como acontece com qualquer mercadoria, a maior oferta de dinheiro na praça fez seu custo diminuir, e o mundo se endividou como nunca. Somadas, dívidas de governos, empresas e famílias se aproximam agora de US$ 250 trilhões, o equivalente a 320% do PIB global e um recorde de todos os tempos.

Grandes quantidades desse dinheiro foram utilizadas por investidores e empresas para comprar debêntures e ações, o que explicaria a forte alta dos mercados até aqui.

No caso do endividamento recorde das famílias, não se trata disso. Ele seria o sintoma da perda consistente de renda que elas têm sofrido ao longo de décadas —e o que estaria por trás do risco de uma nova recessão global.

Como a Folha vem mostrando na série Desigualdade Global, a classe média nos países do Ocidente —onde vivem 85% das pessoas de alta renda— vem perdendo há décadas participação nos rendimentos totais, o que a tem levado a consumir menos.

Nos EUA, a metade mais pobre praticamente não teve aumento real na renda nos últimos 40 anos, o que tornaria inviável ao país manter um crescimento sustentável só com endividamento.

Além de seus efeitos econômicos, a estagnação da renda também já teria levado o mundo a escolhas, pelo voto, de respostas populistas como Donald Trump nos EUA e o brexit no Reino Unido.

O primeiro agora ameaça piorar ainda mais as coisas com sua guerra comercial contra a China; o segundo, enfraquecendo a já combalida economia europeia.

Assim, além dos dados conjunturais de ontem, há duas boas razões para se preocupar: não se resolve o problema da distribuição de renda facilmente; e os bancos centrais talvez já tenham gasto boa parte da munição disponível em uma crise que nunca terminou de fato.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.