O pânico que tomou conta dos mercados tem mais do que razões conjunturais, baseadas em dados negativos de produção em 3 das 5 maiores economias do mundo.
A venda pesada de ações sugere que investidores estão acordando para problemas estruturais na economia mundial, como a estagnação da renda, e reconhecendo a cada vez mais limitada munição que os bancos centrais dispõem para enfrentar uma eventual grande crise.
O mercado global estava tenso desde o fim de julho, quando Alemanha e Reino Unido revelaram quedas na produção industrial para o menor patamar em sete anos.
Ontem, enquanto a China divulgava que suas fábricas caíram para o ritmo mais lento em 17 anos, a Alemanha anunciou encolhimento de 0,1% do PIB no trimestre até junho.
Ruins o bastante, as notícias se apresentaram no precário palco de fundamentos da economia mundial; e diante de investidores que já vinham fugindo de aplicações de risco como ações.
Existem hoje no mundo US$ 15 trilhões (mais que o PIB da China) de investidores aplicados em títulos públicos de baixo risco e que rendem menos do que a inflação.
O dinheiro está lá porque os seus donos preferem perder um pouco a expô-lo a riscos. Diante do pânico desta quarta (14), houve nova corrida para esse tipo de papel, sobretudo nos EUA.
Outros investidores têm fugido para o ouro, e o metal já acumula alta de 27% em 12 meses. Ou para notas físicas de US$ 100, cuja demanda hoje é recorde, segundo o FMI, porque investidores temem tanto tensões geopolíticas quanto o colapso dos mercados.
Apesar da aversão ao risco, índices das Bolsa de Valores de Nova York vinham batendo recordes históricos, mesmo sem que o lucro projetado de muitas empresas justificasse o valor dos papéis.
Como assim?
O aparente paradoxo é explicado pelas decisões que os bancos centrais das principais zonas econômicas do planeta tomaram desde a grande crise global de 2008-2009.
Para salvar o mundo de um colapso, eles baixaram agressivamente suas taxas básicas de juro e injetaram desde então cerca de US$ 15 trilhões no mercado global comprando títulos de governos e de empresas em dificuldades.
Como acontece com qualquer mercadoria, a maior oferta de dinheiro na praça fez seu custo diminuir, e o mundo se endividou como nunca. Somadas, dívidas de governos, empresas e famílias se aproximam agora de US$ 250 trilhões, o equivalente a 320% do PIB global e um recorde de todos os tempos.
Grandes quantidades desse dinheiro foram utilizadas por investidores e empresas para comprar debêntures e ações, o que explicaria a forte alta dos mercados até aqui.
No caso do endividamento recorde das famílias, não se trata disso. Ele seria o sintoma da perda consistente de renda que elas têm sofrido ao longo de décadas —e o que estaria por trás do risco de uma nova recessão global.
Como a Folha vem mostrando na série Desigualdade Global, a classe média nos países do Ocidente —onde vivem 85% das pessoas de alta renda— vem perdendo há décadas participação nos rendimentos totais, o que a tem levado a consumir menos.
Nos EUA, a metade mais pobre praticamente não teve aumento real na renda nos últimos 40 anos, o que tornaria inviável ao país manter um crescimento sustentável só com endividamento.
Além de seus efeitos econômicos, a estagnação da renda também já teria levado o mundo a escolhas, pelo voto, de respostas populistas como Donald Trump nos EUA e o brexit no Reino Unido.
O primeiro agora ameaça piorar ainda mais as coisas com sua guerra comercial contra a China; o segundo, enfraquecendo a já combalida economia europeia.
Assim, além dos dados conjunturais de ontem, há duas boas razões para se preocupar: não se resolve o problema da distribuição de renda facilmente; e os bancos centrais talvez já tenham gasto boa parte da munição disponível em uma crise que nunca terminou de fato.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.