Jair Bolsonaro ampliou sua base de sustentação justamente na camada da população que mais morrerá pelos efeitos da Covid-19, uma “gripezinha” para o presidente.
Segundo o Datafolha, ele perdeu 11 pontos entre os que têm renda familiar acima de cinco salários mínimos (10% dos brasileiros), mas ganhou oito pontos nos que ganham até dois mínimos (60% da população). Na média, manteve um terço do país ao seu lado.
Boa parte do novo apoio dos mais pobres parece ter vindo da ajuda que o governo pagará, por três meses, aos informais.
Segundo estudo do Insper, se os R$ 600 chegarem a 32 milhões de pessoas, a taxa de pobreza no país despencará de 16,7% para 6% —pois muitos beneficiários ganhavam menos do que isso antes.
A epidemia do coronavírus mostra que enquanto os leitos de UTI públicos —usados por 75% da população— lotam rapidamente em várias capitais, as unidades privadas estão com taxa de ocupação ao redor de 50%.
Além de terem planos de saúde e mais leitos de UTIs à sua disposição (4,9 por 10 mil pessoas, ante 1,4 por 10 mil no SUS), os mais ricos têm maiores condições de ficar em casa, diminuindo as chances de contaminação.
Logo, como são mais numerosos e menos protegidos pelo sistema de saúde, os pobres tendem a morrer em maior quantidade, mesmo considerando o seu peso relativo. As cenas de Manaus, Rio e da periferia de São Paulo sugerem fortemente isso.
Muitos pobres e informais estão saindo de casa por falta de opção. Mas também porque Bolsonaro os estimula a isso todos os dias, fazendo com que o Brasil tenha agora a maior taxa de transmissão do coronavírus entre 48 países analisados pelo Imperial College, no Reino Unido.
Em um minucioso trabalho publicado no livro The Great Leveler (O Grande Nivelador), o historiador austríaco Walter Scheidel relata como episódios violentos da humanidade levaram à redução da desigualdade de renda no mundo.
Chamados por Scheidel de “quatro cavaleiros”, guerras, revoluções, Estados em colapso e pandemias teriam, ao longo da história, ou reduzido os recursos das classes altas ou dizimado muitos seres humanos, aumentado o valor da mão de obra disponível, sobretudo dos mais pobres.
Pelo pior dos motivos, pode-se pensar friamente que os efeitos da epidemia no Brasil teriam como resultado uma diminuição da desigualdade. Ou que isso talvez até faça parte do projeto de Bolsonaro, nosso grande “nivelador por baixo”, em vários sentidos.
Mas como sugere o aumento do apoio ao presidente por causa dos R$ 600, a pobreza e a desigualdade brasileiras são tão profundas, e o desemprego tão elevado, que não será uma “gripezinha" a fazer grande diferença.
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