Filipe Oliveira

Na Folha desde 2011, Filipe Oliveira é repórter de Mercado e assina o blog Haja Vista. É graduado em música e tem deficiência visual

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Filipe Oliveira
Descrição de chapéu Tóquio 2020 paralimpíadas

Paralimpíadas mostram potencial de todos para buscar seu alto rendimento

Atletas surpreenderam ou decepcionaram assim como acontece com todos os demais

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Ao final das primeiras Paralimpíadas que acompanhei com atenção, o legado que fica para mim tem uma coleção de novos atletas para admirar e seguir torcendo e certo arrependimento por não ter dado tanta atenção às emoções proporcionadas e às lições ensinadas pelo esporte adaptado antes.

Mergulhado em informações sobre categorias diferentes em uma série de modalidades e nos dados sobre os recordes que se buscavam bater em cada uma delas, penso em quanto precisamos muitas vezes rever nossos parâmetros para que façam sentido, considerando aquilo que somos e, assim, possamos evoluir.

Isso não é fácil. A primeira vez que ouvi falar em atleta-guia para acompanhar pessoas com deficiência visual estranhei. Ainda adolescente, com baixa visão e a crença em meus superpoderes típicos da idade, pensei: se o cego é sempre guiado, ele nunca será o mais rápido.

Nadadora Carol Santiago segura sua medalha de ouro das Paralimpíadas ao lado de seu rosto, e sorri
Carol Santiago conquistou três medalhas de ouro nas Paralimpíadas - Ivan Alvarado/Reuters

Com o tempo e o aprofundamento da minha limitação visual, fui entender que muitas vezes necessitamos de compreensão, apoio ou alguns ajustes para ir o mais longe possível.

No caso, é preciso levar em consideração que o corredor com deficiência visual tem desafios próprios, a começar no aprimoramento dos movimentos mais eficientes sem ter a visão para dar referências. Também pode ter menos acesso à prática esportiva desde cedo e menos autonomia para realizar seus treinos.

Na sociedade competitiva em que vivemos, o recado de que nossa avaliação pode considerar nossa condição física, intelectual e sensorial é fundamental. É difícil e necessário entender que, às vezes por falhas de acessibilidade, por outras por limites próprios da deficiência, algumas atividades vão trazer dificuldades próprias para nós, e precisamos aprender a fazer o melhor possível com autonomia e saber pedir ajuda nas horas certas.

Quantas empresas estão preparadas para entender que um profissional com limitações motoras consegue render melhor se tiver uma jornada mais curta para compensar um esforço maior que faz para digitar ou ficar sentado? Quantas estariam dispostas a preparar material adaptado, com descrições de imagens e buscariam softwares acessíveis, para que profissionais que não enxergam fizessem melhor suas tarefas? E fariam isso acreditando que, caso se atentassem às necessidades deles, mais do que cumprir uma obrigação, conseguiriam extrair de sua equipe o mais alto rendimento, tão defendido nesses Jogos, além de trazer novas percepções de mundo para todos?

Se é adequado que haja uma avaliação criteriosa sobre a condição de cada atleta para que ele seja colocado na raia ou na pista correta, em condições equivalentes a de seus adversários, por outro lado vibramos com uma série de recordes sendo quebrados a cada prova.

Enquanto vibrávamos, não fazia diferença alguma se a classe era a S1, S5 ou T11, queríamos ver atletas buscando o melhor de si. Vimos cada um deles sendo avaliados por seus resultados, cada um com suas metas e desafios. Alguns nos surpreenderam, outros estiveram abaixo do esperado. Como acontece com qualquer competidor.

Nas Paralimpíadas, também soubemos que corredores em cadeira de rodas podem percorrer os mais de 42 quilômetros de uma maratona em menos tempo do que atletas sem deficiência. Nossa sociedade, que coloca condições injustas, faz com que esses heróis da velocidade sejam os mais rápidos do mundo, de um lado, e não tenham como dar uma volta no quarteirão daqui de casa, por sua total falta de acessibilidade. Conseguem dar o melhor de si no esporte, mas podem ter sua vida limitada no que deveria ser simples pela desconsideração de todos os dias.

Em tempos em que o capacitismo (preconceito em relação à pessoa com deficiência) começa a ser mais discutido, nada melhor do que uma série de novos heróis como Gabriel Bandeira, Carol Santiago e Yeltsin Jacques mostrando que, quando há o apoio e oportunidades corretas, há muito potencial a ser desenvolvido para ser usado nas quadras e também fora delas.

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