Flávia Boggio

Roteirista. Escreve para programas e séries da Rede Globo.

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Flávia Boggio

Greta e o abacateiro

Ninguém iria cortar nossa árvore

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Uma criança brincava na rua, quando ouviu o barulho da serra elétrica. Estavam derrubando o abacateiro do bairro. Ela saiu correndo para avisar os amigos.

Era final da década de 1980. A palavra “ecologia” era ordem do dia só em acampamentos hippies e o apocalipse viria mais pela queda de um meteoro do que pelo aquecimento global.

Eu, na flor dos meus dez anos, morava em um bairro de classe média da zona sul de São Paulo. Além de muitas casas e alguns prédios, a região tinha uma escola de bairro com um enorme abacateiro de mais de 30 anos.

Uma jovem está fazendo sinal de "pare" e protegendo o planeta Terra. Em volta dela, há uma escavadeira, uma motossera, chaminés de indústrias, fumaça, fogo e um braço de uma pessoa de terno com dinheiro na mão.
Galvão Bertazzi/Folhapress

Mal sabíamos que era o início de um dos maiores booms imobiliários de São Paulo. As casas e o comércio local seriam substituídos por prédios enormes e luxuosos. O mesmo destino teria a pequena escola e o abacateiro.

Assim que ouviu a serra elétrica, aquela criança chamou seus irmãos mais velhos, que chamaram outras crianças e adolescentes, como eu e minhas irmãs. A informação se espalhou pelo bairro. 

Em poucas horas, cerca de cem crianças se juntaram ao redor da árvore e barraram funcionários de uma construtora. Ninguém iria cortar nosso abacateiro.

A notícia chegou aos jornais da cidade, que foram ao local para cobrir nosso pequeno protesto infantojuvenil. “A gente defende o abacateiro para, no futuro, defender a Amazônia”, relatou uma adolescente ao jornal Folha da Tarde. “S.O.S. Mata Atlântica. S.O.S. Abacateiro”, gritava um menino ao repórter do SBT. “Precisamos da sombra do abacateiro para brincar”, relatei a uma repórter do SBT, usando meu pequeno repertório de preocupações.

Com a cobertura da imprensa, muita gente ficou sabendo da manifestação infantojuvenil. Não abraçaram a causa, pelo contrário. Riram das entrevistas. Chamaram-nos de crianças inconsequentes. Pequenos vândalos que atrasavam o progresso do bairro. Pirralhos.

No dia seguinte, a construtora conseguiu um alvará para a retirada da árvore. “Vamos plantar em um sítio”, disse um engenheiro, usando a mesma desculpa dos pais que dão sumiço em cachorros.

Se, naquela época, tivéssemos um modelo para nos inspirar com a determinação de Greta Thunberg, talvez hoje as coisas estivessem melhores. Pelo menos para o abacateiro.

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