Flávia Boggio

Roteirista. Escreve para programas e séries da Rede Globo.

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Flávia Boggio
Descrição de chapéu

Bolsonaro teria feito dar errado três avanços que salvaram a humanidade

O cidadão de bem teria boicotado a pasteurização e a humanidade seria condenada a morrer de diarreia

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Antiga Babilônia, 3.750 a.C. Partoni, um fazendeiro sumério, chega à aldeia próxima com uma grande novidade. "Amigos, há dois meses que eu e minha família decidimos fazer nossas necessidades em buracos, bem afastados de casa. Desde então, ninguém mais ficou doente."

Um vizinho comenta desconfiado: "Onde já se viu ter que se afastar de casa para evacuar?". Outro completa: "Eu tenho a liberdade de defecar onde eu quiser". Vários aldeões se unem ao coro, a revolta se espalha e a civilização é condenada a viver —e morrer— rodeada de cocô.

França, 1864. Com um microscópio, Louis Pasteur descobre o que tem azedado cervejas e vinhos da região: bactérias. O cientista percebe que, ao aquecer o líquido a 48ºC, os micro-organismos são eliminados. Ele recomenda que alimentos, bebidas e instrumentos cirúrgicos sejam fervidos antes do uso. Mas um cidadão esbraveja: "Eu tenho a liberdade de decidir se vou ferver as coisas ou não". A notícia se espalha e todos aderem ao movimento.

Ilustração representando uma pessoa que caminha pela rua da cidade pegando bolotas de coronavírus de um saco onde se inscreve "made in Brazil" e as jogando pelo ar, enquanto um balão de diálogo sai de sua boca dizendo "Vacina não"
Publicada em 10 de novembro de 2021 - Galvão Bertazzi

É o fim da pasteurização e a humanidade é condenada a morrer de diarreia e infecção.

Inglaterra, 1940. Após retornar de férias, o médico Alexander Fleming lembra que esqueceu em sua mesa placas com culturas de Staphylococcus aureus, uma bactéria altamente infecciosa. Ele repara que as placas estão cobertas de um mofo e que, ao redor dele, não há bactérias. Ele indica que o fungo, batizado de penicilina, seja usado no tratamento de infecções.

Mas um médico protesta: "Eu tenho a liberdade de decidir se vou dar um fungo para meu paciente ou não". Um cidadão comenta: "Esse mofo é uma invenção dos soviéticos para acabar com o capitalismo". A notícia de que Fleming estaria empurrando um mofo comunista se espalha e é o fim dos antibióticos.

Brasil, 2021. Durante uma das piores pandemias da história, cientistas conseguem desenvolver vacinas em um tempo recorde, que reduzem drasticamente as taxas de mortalidade. Mas um cidadão de bem protesta: "E a minha liberdade de não tomar vacina, onde fica?". Uma mãe também se revolta: "Eu sou livre para não dar vacina para meus filhos". E um presidente declara: "Se um cidadão não quer tomar a vacina, é um direito dele, e ponto final".

Não vai ser o fim da civilização, mas bem que merecíamos.

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