Flávia Boggio

Roteirista. Escreve para programas e séries da Rede Globo.

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Flávia Boggio
Descrição de chapéu
mídia

Por que falar de fome, inflação e pobreza se tudo tem um lado positivo

Segundo jornais, por mais que estejamos à beira de um apocalipse, o brasileiro precisa ver as tragédias com mais leveza

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Pandemia, mortes, crise econômica, pobreza e guerra. Vivemos um dos momentos mais trágicos da humanidade, que ficará marcado nos livros de história para gerações futuras.

Os desastres são tantos que nos levam a pensar que a Revolução Francesa, cuja guilhotina arrancou umas 40 mil cabeças, não foi tão ruim assim.

Para muitos jornais, no entanto, o leitor não está pronto para a realidade e precisa ver as tragédias do mundo com mais leveza. É preciso tirar uma lição positiva de tudo isso, por mais que estejamos à beira de um apocalipse. É tanto aprendizado, que os noticiários estão cada vez mais longe do jornalismo e mais próximos do site Razões para Acreditar. É sensacionalismo positivo.

Na ilustração de Galvão Bertazzi, a figura da Morte está maquiada, com um lenço rosa florido amarrado no pescoço. Ela usa uma peruca ruiva e jóias douradas e segura um cupcake de chocolate numa das mãos. Na outra sua foice ensanguentada, adornada com um arranjo de flores. A Morte está sentada sobre uma pilha de crânios em chamas enquanto posa para funcionários e diretores da mídia, com câmeras apontadas pra ela, jogando confetes e fazendo sinal de aprovação. Prédios pegam fogo ao fundo da ilustração
Ilustração publicada em 23 de março - Galvão Bertazzi

O preço da carne subiu 35%? O que importa é manter a leveza. "Criatividade na cozinha: veja cinco formas de substituir a carne pelo ovo sem cair na mesmice", no jornal O Globo. Porque passar fome é só para quem não é criativo.

O número de pessoas abaixo da linha da pobreza disparou, mas sempre há um jeito.

"Brasileiro ‘se vira’ para driblar a fome; confira como substituir alimentos", no jornal Extra. Afinal, dá para se virar com feijão em pedaço e farelo de pão. Só passa fome quem quer.

Muitas vezes o positivismo tóxico pode intoxicar o leitor. "Quando é seguro comer pão, queijo e outros alimentos mofados?", nesta Folha. O preço alto dos alimentos não é problema quando podemos comer mofo.

O governo está ruim? Será, mesmo? "A gasolina está mais cara agora do que no governo Dilma?", diz o UOL. Mesmo que, matematicamente, R$ 3 sejam menos que R$ 8, mesmo que a inflação e o dólar tenham
subido proporcionalmente
, pode ser, quem sabe, que a gasolina não esteja tão cara. Só quem ler a matéria vai descobrir que sim, está.

A guerra deixa nossos leitores tristes. Vamos mostrar o lado bom? "Menina ucraniana viraliza ao cantar ‘Let It Go’ em bunker", no Estadão. As crianças ucranianas estão sendo bombardeadas, mas o importante é que elas ainda viralizam no subsolo.

"A esperança que se renova ao som das bombas. Mães dão à luz em porão de Mikolaiv, na Ucrânia", n’O Globo. É preciso comemorar que a vida brota de qualquer lugar, mesmo que seu bebê possa morrer a qualquer hora.

O importante é levar com leveza, mesmo com tudo para desabar. Assim, o mundo entra em colapso e não sentimos o impacto.

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