Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

A Lava Jato sob escrutínio

A Folha deveria publicar material que não obteve e cuja origem pode ser ilegal?

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A revelação feita no domingo (9) pelo site The Intercept de que teria existido colaboração, no âmbito da operação Lava Jato, entre o então juiz e hoje ministro, Sergio Moro, e o procurador Deltan Dallagnol mobilizou os leitores.

De domingo (9) a sexta-feira (14), as matérias ligadas ao caso receberam quase 4.000 comentários no site da Folha, ou 44% das intervenções online feitas no período.

Após a divulgação dos vazamentos pelo site, os jornais vêm publicando as conversas que, importante lembrar, não tiveram sua autenticidade negada de cara nem por Moro nem por Dallagnol.

Carvall

Nos diálogos, Moro recomenda trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobra realização de novas operações e, no último lance divulgado, sugere ação contra o “showzinho” dado pela defesa de Lula.

O ponto de maior atenção, segundo especialistas, seria entender se houve orientação do Ministério Público pelo juiz, numa dobradinha que afetaria a legalidade do processo.

Acompanhando a reação dos leitores, seria possível dividi-los em dois grupos: os que não enxergaram problemas na proximidade entre o juiz e o procurador e os que viram confirmadas as suspeitas de parcialidade da dupla que atuou em acontecimentos decisivos nos últimos anos.

Ao embate que se estabeleceu se misturam dúvidas quanto à prática jornalística. A Folha deveria publicar material que não recebeu diretamente e sobre o qual não tem dados de como foi obtido?

O próprio Moro questionou a atuação da imprensa em entrevista dada ao Estado de S. Paulo: “Então quer dizer se amanhã invadirem os telefones de jornais, de empresas, dos ministros do Supremo, de presidente do Senado, de presidente da Câmara, vão aceitar que isso seja divulgado por esse mesmo veículo?”.

Sabe-se que é a fonte responsável pelos dados é anônima e pediu sigilo.

Quanto aos cuidados tomados para se certificar de que não se trata de uma fraude, Glenn Greenwald, fundador do site, disse à coluna que os métodos usados para autenticar o material foram os mesmos empregados no “enorme arquivo fornecido a mim por Edward Snowden”.

Greenwald se refere às matérias publicadas no britânico The Guardian sobre o programa de espionagem da agência de segurança nacional dos EUA. Snowden é o agente que tornou públicos esses dados.

A rigor, também não é possível estabelecer se o material foi ou não obtido de forma ilegal. Se isso ocorreu, quem cometeu o ato deve ser responsabilizado.

De qualquer forma, o interesse público em relação ao seu conteúdo é evidente.

Segundo advogados, se a pessoa é pública e a revelação feita tem conexão com a função exercida por ela, os jornais devem publicar, sendo a prova ilegal ou não. A divulgação falaria mais alto, pois essa é a função do jornal: expor o que de outra forma não seria conhecido.

Claro que é preciso cuidado. O Manual da Redação da Folha recomenda cautela na utilização jornalística de vazamentos, que frequentemente servem a interesses específicos e revelam apenas parte de um contexto.

Mas isso vale para os vazamentos do The Intercept assim como para aqueles obtidos confortavelmente pela imprensa ao longo dos últimos anos no âmbito da própria Lava Jato. Ou mesmo para a divulgação do conteúdo da conversa entre Dilma e Lula em 2016, gravada após o prazo legal e cujo teor foi amplamente reproduzido pelos jornais.

Abusos cometidos pela imprensa são passíveis de punição. O caso clássico é o da Escola Base, no qual informações inverídicas da polícia foram amplamente divulgadas pela imprensa. Alguns jornais foram processados.

Um outro ponto é que o The Intercept está divulgando a conta-gotas as informações que conseguiu, e a imprensa fica a reboque disso.

Ao contrário de outras coberturas, em que após o furo todo o mundo corre atrás de informações adicionais, nesse caso há um monopólio de dados pelo site. O que a Folha pode fazer em relação a isso é uma boa questão.

Produzir um material equilibrado como foi feito ao longo da semana é uma boa saída, mas não deveria ser a única. O jornal pode voltar aos processos e testemunhas à luz das novas revelações.

No mais, a polêmica que envolve o assunto é compreensível. A Lava Jato criou reputação própria. Iniciada a operação, ganhou força a percepção de que o combate à corrupção estaria acima de qualquer paixão e que a sociedade, imprensa incluída, deveria se alinhar automaticamente à pauta. Jornalismo e alinhamento não combinam.

Nesta semana, a imprensa brasileira perdeu Clóvis Rossi, uma das grandes referências do jornalismo profissional no país.

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