Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Jornalistas encaram como secundários pontos que trariam mais segurança ao leitor

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Nesta semana, reportagem da Folha retomou a apuração sobre os envios em massa de mensagens pelo WhatsApp durante a campanha eleitoral.

A primeira reportagem sobre o assunto saiu em outubro de 2018 e revelava que empresas estavam comprando pacotes de disparos de mensagens pelo WhatsApp contra o PT e preparavam uma operação antes do segundo turno das eleições à Presidência.

Desta vez, a Folha voltou ao tema apresentando um novo personagem —um empresário espanhol que, sem saber que estava sendo gravado, afirmou que empresas brasileiras contrataram disparos pró-Bolsonaro no WhatsApp.

Os disparos se enquadrariam como doação de empresas a campanhas, o que é ilegal.

Alguns leitores tentaram desqualificar o material, algo que já havia ocorrido na primeira leva de reportagens.

Ilustração coluna ombudsman
Carvall

Em meio à polarização que pouco arrefeceu desde as eleições, esse tipo de atitude em geral está ligado não a um interesse genuíno em entender a apuração, mas à dificuldade de lidar com divergências.

Outro grupo reagiu com dúvidas que considero legítimas.

As desconfianças poderiam ter sido mitigadas se uma descrição mais específica das fontes ou das movimentações necessárias para obter o material tivessem sido apresentadas.

Os jornalistas às vezes encaram como secundários pontos que, uma vez expostos, trariam mais segurança ao leitor.

A matéria de outubro, que se baseou em emails e mensagens trocados por fontes, e para a qual foram ouvidas cerca de 30 pessoas, levou dois meses até a conclusão.

As principais fontes que embasaram a denúncia foram um dono de agência de marketing digital, um funcionário de uma agência e dois clientes.

Todos optaram pelo anonimato, algo que costuma acontecer quando a apuração envolve um assunto delicado, em que a fonte tem muito a perder ao se identificar.

A matéria mais recente, “Empresas contrataram disparos pró-Bolsonaro no WhatsApp, diz espanhol”, publicada na terça-feira (18), traz a descrição de um áudio vazado.

A reportagem não se aprofunda no contexto em que se deu a gravação, sob risco de violar o sigilo da fonte.

Ainda assim, o texto dá menos do que poderia ao leitor, uma falha sobretudo nestes tempos em que o jornalismo compete com discursos que se passam por jornalísticos.

Uma pessoa, que ouviu do espanhol que empresas haviam comprado o software dele para fazer disparos para a campanha de Bolsonaro, gravou e repassou o material.

De posse da gravação, Patrícia Campos Mello, repórter que assina as matérias, fez jornalismo, mas economizou em detalhes que teriam tornado o texto mais saboroso e consistente.

Patrícia contou à coluna que voou para a Espanha, onde, numa junta comercial da Galícia, soube que a empresa de Luis Novoa, chamada Enviawhatsapps, foi fundada em fevereiro deste ano, mas antes disso funcionava com outros nomes. Conhecido no meio, Novoa vem do setor de telecomunicações.

A repórter descobriu o endereço de Novoa em Corunha e passou cerca de seis horas em frente à casa dele. Sem sucesso, acionou suas fontes e, enfim, conseguiu conversar com ele —que negou tudo.

Patrícia voltou ao Brasil com o áudio vazado pela fonte com a primeira fala do empresário e com áudios adicionais que confirmam a história. O jornal optou por não divulgar o material, mas ele está à disposição da Justiça.

A matéria esclarece não haver indicações de que Bolsonaro soubesse da iniciativa, algo que deveria ter constado também na reportagem publicada em outubro. Não está lá.

Na terça-feira (18), Bolsonaro admitiu pela primeira vez: “Teve milhões de mensagens a favor da minha campanha, e talvez alguns milhões contra também”, disse ele.

O presidente se tornou o alvo principal da história toda porque foi o candidato que usou com mais força as redes sociais para se comunicar e ganhou as eleições —o que põe em foco os seus atos, e não os de seus adversários.

Procurado, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) disse que tramitam na Justiça Eleitoral quatro ações contra Bolsonaro e uma contra o então candidato do PT, Fernando Haddad. Nada foi protocolado sobre a denúncia mais recente.

A Polícia Federal disse que o inquérito corre em sigilo.

Lendo a série de reportagens da Folha, é possível entender que, do sofá de casa, qualquer um pode contratar um serviço com poder de influenciar milhões de forma pouco transparente e aparentemente inofensiva —as mensagens no geral vêm de grupos conhecidos, criando uma sensação de confiabilidade.

As matérias jogam luz sobre um fenômeno global e que envolve abuso de poder econômico, desinformação e falta de monitoramento, uma combinação grave em qualquer cenário, sobretudo em eleições.

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