O brasileiro, diferentemente de leitores de muitos países, enxerga conteúdo falso em qualquer fonte de informação. Dados de uma pesquisa inédita no Brasil feita pela consultoria francesa Ipsos indicam que 59% dos brasileiros acreditam que prevaleça conteúdo falso em jornais e revistas.Os
Os números colocam o Brasil acima da média mundial (52%) e o aproximam de países não necessariamente conhecidos pela liberdade de imprensa, como a Rússia.
É verdade que o quadro de desconfiança é ainda pior quando se trata de conteúdo obtido exclusivamente pela internet, aqui incluídas as mídias sociais e excluídos grandes sites e plataformas de notícias.
Do total de entrevistados no país, 67% dizem que há predomínio das chamadas “fake news” quando a fonte da notícia é a internet, também distante da média global (54%).
O curioso é que nem mesmo as informações obtidas do próprio círculo de conhecidos e amigos estão a salvo da desconfiança: 61% dos brasileiros dizem que também nesse caso prevalece o conteúdo falso—o que destoa bastante da média global, que é de 37%.
Ainda assim, o sentimento geral local em relação à mídia, em especial à tradicional, é positivo — algo que, de certa forma, parece contraditório.
Segundo a pesquisa, 65% dos brasileiros confiam no conteúdo produzido por jornais e revistas, 63% deles dizem que a imprensa escrita age com boas intenções e 70% acham que esse conteúdo é relevante .
Os dados de confiança, relevância e intenções são parecidos quando se consideram outros meios tradicionais, como o rádio e a televisão, e colocam o Brasil entre os países com sentimento mais positivo em relação à imprensa.
Já com relação ao conteúdo que vem da internet, os percentuais são menores. Na avaliação de 49%, as pessoas que o compartilham o fazem com boa intenção, enquanto 48% acreditam que ele seja relevante, e apenas 38% confiam nele.
A pesquisa foi feita no início do ano com 19.541 pessoas entre 16 e 74 anos, entrevistadas pela internet em 27 países. No caso do Brasil, a consultoria ressalta que a amostra reflete um grupo com nível educacional e de renda acima da média nacional.
Diego Pagura, diretor da Ipsos, não vê contradições entre os dados e enxerga os números como um sinal de maturidade do brasileiro, há anos lidando com a internet.
Mais sensibilizado em relação às chamadas “fake news”, o brasileiro estaria cada vez mais crítico, percebendo que há maior probabilidade de o conteúdo falso vir da internet.
De fato, os 67% de brasileiros que veem uma extensão razoável ou grande de notícias falsas vindas da internet só ficam atrás dos indivíduos da Malásia (68%). Entre os americanos, por exemplo, esse percentual é menor (58%).
Entre os países que não fazem essa distinção tão claramente está a Hungria de Viktor Orbán, que vive um processo de deterioração de seus espaços democráticos, como as universidades, o Poder Judiciário e a imprensa.
Para os húngaros, talvez não exista muita diferença entre o conteúdo que vem da internet e aquele que vem de uma imprensa tutelada.
Confesso que me assusta um pouco o que parece ser uma descrença geral em relação às fontes de informação disseminada por aqui. Como ombudsman, lido com isso diariamente e acho que esse descrédito às vezes funcione mais como uma tentativa de encobrir e afastar o que desagrada ao leitor.
Na sexta-feira, um leitor me procurou para reclamar da chamada de primeira página da Folha, que anunciava o cancelamento de uma reunião entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente francês, Emmanuel Macron, em evento no Japão—a qual, na verdade, acabou ocorrendo.
Um dos filhos do presidente chegou a postar em rede social a chamada, dizendo existirem coisas que só a Folha enxerga.
Com um pouco mais de cuidado, no caso do leitor, e boa-fé, no segundo caso, seria possível saber que a imprensa foi avisada pelo próprio governo do cancelamento do encontro, o que foi divulgado por vários jornais e tevês.
Chegar ao mais próximo possível dos fatos exige trabalho. A busca por informações de fontes diferentes de notícias é fundamental, desde que essas fontes se provem fidedignas.
Assim, é um excelente sinal que a pesquisa mostre que, para o brasileiro, a credibilidade do jornalismo profissional (em especial o impresso) é superior à da internet.
Desconfiar, como faz o brasileiro, pode ser um tributo ao senso crítico e à busca dos fatos para formar a sua opinião. E é bom que até mesmo a informação repassada por um amigo ou familiar seja recebida com ceticismo. Afinal de contas, como não se conhece a fonte primária da notícia, o conteúdo falso pode vir também daí.
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