Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Feia é a situação econômica

"Brincadeiras" podem ajudar a distrair a plateia, mas qual é mesmo o projeto de país?

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Na quinta-feira (5), o ministro da Economia, Paulo Guedes,  disse em um evento em Fortaleza que a imprensa ignora tudo o que o governo faz na economia e elege xingamentos como única preocupação.

Ato contínuo, ele mesmo proferiu novas ofensas à primeira-dama da França. Mais tarde, o ministro se desculpou pela "brincadeira" e pela "grosseria indesculpável".

lustração de Carvall para Opinião de 08.set.2019
Carvall

Alguns leitores também pedem que a Folha pare de dar destaque às provocações e ofensas ditas pelo presidente e seu entorno. Parte deles chega a concordar com o ministro ao dizer que, com isso, o jornal não divulga os avanços obtidos até agora, sobretudo no campo econômico.

De modo geral, parece haver certo cansaço em relação aos excessos retóricos dos governantes, embora eles mesmos continuem se comportando como se estivessem numa espécie de adolescência tardia e descomprometida.

Mas e a imprensa? Ela efetivamente perde tempo com o que é secundário e tem sido negligente com os feitos do governo na área econômica?

A coluna ouviu seis economistas de diferentes perfis, que atuam no mercado, em bancos e consultorias. Eles dizem que boas notícias no campo econômico existem em quantidade bastante inferior às bobagens ditas pelo governo, com pouco de concreto a ser repercutido.

A avaliação é que o governo apresentou uma carta de intenções difícil de ser realizada a curto prazo. Entre as muitas promessas feitas durante a campanha eleitoral, destacam-se a proposta de obter R$ 1 trilhão com privatizações, zerar o rombo do orçamento já no primeiro ano e reduzir de modo significativo o preço do gás.

Para esses economistas, as mudanças de fôlego feitas até aqui (sem entrar no mérito de cada uma) envolvem basicamente a reforma da Previdência, a medida provisória que busca reduzir a burocracia e os custos para as empresas e a queda do juro básico da economia--medidas que, não necessariamente lideradas pelo governo, têm sido amplamente divulgadas pela imprensa.

Para além disso, há planos em estudo que vão de mudanças no sistema tributário a estímulos à atividade empresarial--todos ainda pouco claros.

Em março, o governo previu (e parte dos economistas acompanhava as projeções) que a aprovação da reforma da Previdência ajudaria a economia a crescer 2,9% neste ano. 

Com as propostas de mudança na aposentadoria aguardando o sinal verde do Senado e sem que as expectativas tenham melhorado, o discurso geral se transformou na percepção de que a reforma é uma condição necessária, mas não suficiente para o crescimento.

A pesquisa mais recente do Banco Central com economistas indica que o país vai crescer 0,87% em 2019. 
Matéria deste sábado (7) da Folha aponta para um crescimento também menos promissor em 2020 --um cenário difícil, que pode se tornar ainda mais complexo pela conjuntura internacional.

Quanto à imprensa perder tempo e energia com questões secundárias, esses mesmos economistas dizem que muito do que é dito pelo governo e seu entorno, para além da verborragia inconsequente, tem efeitos econômicos claros (não só econômicos, como mostrou a disposição do prefeito do Rio de Janeiro de censurar história em quadrinhos).

São falas com o potencial de afetar acordos comerciais que têm cláusulas ambientais específicas, de afastar investidores que evitam colocar recursos em países que não respeitam o meio ambiente e a diversidade ou tentam se afastar de ambientes confusos.

É claro que a imprensa também se deixa levar. Quando os jornais passam dias repercutindo a recomendação do presidente de que se vá ao banheiro menos vezes por semana para preservar o ambiente, a perda de tempo parece evidente.

Além disso, o prolongamento da confusão pode bem servir de estratégia diversionista e cortina de fumaça a encobrir o que realmente interessa: a discussão sobre como contornar um quadro difícil de crescimento anêmico e desemprego persistentemente alto.

Quando pouco há a ser apresentado, as "brincadeiras" podem ajudar a distrair a plateia. Mas qual é mesmo o projeto para o país? 

Da parte da imprensa, esticar ao máximo declarações irresponsáveis pode até trazer audiência, mas reduz o espaço das muitas perguntas que ainda precisam ser feitas, inclusive ao ministro da Economia e sua equipe, alvo do maior interesse dos leitores.

É certo que a mistura do que é relevante com o nível inédito de barulho tem tornado o trabalho jornalístico mais difícil. 

Mas à imprensa cabe entregar o que é notícia a partir de uma cobertura crítica. Se não há muito que mostrar na área econômica, certamente há muito que discutir, pois é real a chance de que 2019 seja mais um ano de frustração.

Feia é a situação econômica do país. 

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