Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Flavia Lima

Ombudsman, 30 anos

Profissionais que atuaram na função falam o que pensam sobre questões atuais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A Folha só bate no governo? Errou ao publicar em conjunto com o The Intercept o conteúdo de conversas hackeadas? Qual é a matéria que, em razão de falhas, deveria ser reescrita?

Nesta semana, a Folha comemora 30 anos da função de ombudsman, profissional pago para defender os interesses dos leitores e criticar o jornal.

Ilustração da ponta de duas velas e uma caneta tinteiro em azul
Carvall

Em homenagem à data, decidi ouvir o que os ex-ombudsmans da Folha pensam sobre questões atuais.

A Folha foi o primeiro jornal brasileiro a adotar o cargo de representante do leitor, inaugurada por Caio Túlio Costa em 24 de setembro de 1989.

Algumas coisas não mudaram. Caio Túlio recebia cartas de leitores que acusavam o jornal de querer derrubar o governo Collor. 

A percepção é recorrente, diz Caio Túlio, porque a Folha tem como característica bater em governos —não importa qual.

Marcelo Leite, que hoje é editorialista da Folha e exerceu a função na década de 1990, diz que o jornalismo investigativo que a Folha e outros órgãos vêm praticando sobre Bolsonaro e a família não difere do que se fez com outros presidentes desde 1985.

Leite considera até que o jornal poderia bater com mais vigor, pois o ataque sistemático à imprensa da parte do presidente e de seus acólitos exige uma reação mais firme —embora não destemperada.

Carlos Eduardo Lins da Silva foi ombudsman em boa parte do segundo mandato do governo Lula e diz que as críticas feitas à Folha hoje se assemelham às que ele próprio recebia naquele momento.

Sobre a cobertura atual, ponto importante levantado pelo grupo aponta certa asfixia dos temas econômicos e políticos por assuntos irrelevantes.

A ombudsman mais longeva da Folha, Suzana Singer, ocupante do cargo por quatro anos, diz que é importante não ceder à tentação de cair nas provocações do presidente.

A Folha deve estar atenta ao equilíbrio, diz Paula Cesarino Costa, ombudsman de 2016 ao início de 2019.
O problema é que esse equilíbrio ainda não foi encontrado, pois o tom da cobertura vem sendo imposto pelo governo, diz Júnia Nogueira de Sá, primeira mulher na função.

E quando a pauta desagrada a parte do leitorado, como na decisão da Folha de produzir material próprio a partir das conversas obtidas pelo The Intercept Brasil?

O grupo considera que o interesse público e a relevância do material justificam a publicação, com uma ressalva. "Não ficou claro por que determinados documentos foram para a Folha e outros para a Veja, por exemplo", diz Suzana.

Perguntei também qual a reportagem que, por suas fragilidades, deveria ter sido reescrita pelo jornal. "Muitas. Difícil até nomeá-las", diz Caio Túlio.

No processo jornalístico, afirma Júnia, nenhuma matéria pode ser reescrita e essa é a angústia dos jornalistas.

A questão passa a ser, então, a visibilidade editorial que se dá à seção 'Erramos', diz Júnia.

Entre os textos que mereciam ser reescritos, Paula fala da matéria produzida a partir de laudo precário da gravação da conversa do empresário Joesley Batista com o então presidente Temer.

Para Carlos Eduardo, o jornal ainda deve uma boa explicação pública sobre as reportagens feitas em 2009 sobre uma pretensa ficha policial da então ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff.

"O jornal não comprovou a autenticidade do documento, não o declarou falso nem deu informações suficientes ao leitor sobre como ocorreu o processo interno que resultou na publicação das reportagens."

Dez anos depois, a Folha não pode se dar ao luxo de não dar explicações ao leitor.

Sobretudo em um ambiente no qual o maior desafio da imprensa é não perder a relevância, seja porque é ameaçada pela concorrência com as redes sociais, seja pelo assédio político e econômico vindo de governos autoritários, como resume Carlos Eduardo.

Mas os constrangimentos ao jornalismo não vêm apenas de fora. Em razão das novas formas de consumo da notícia, diz Paula, as ameaças à imprensa vêm também da incapacidade —tecnológica, financeira ou filosófica—de se reinventar das empresas do setor. 

Ou da incapacidade de executivos e dos próprios jornalistas de conseguir entender o momento disruptivo pelo qual esta indústria já passou, na opinião de Caio Túlio. "É preciso reinventar a imprensa."

Plagiando a primeira coluna escrita, lá em 1989, ainda há muito o que falar da imprensa.

E isso continuará sendo verdade desde que os jornais repensem modelos de negócio, expliquem suas escolhas e os erros delas advindos e, sob pena de falar para um grupo cada vez mais restrito, abriguem em suas páginas e Redações uma sociedade que é plural.
*
Em comemoração dos 30 anos da criação do cargo, a Folha fará nesta segunda (23) um debate com ombudsmans e ouvidores de setores diversos. O evento, aberto ao público, será realizado no auditório do jornal a partir das 19h. É necessário se inscrever pelo site.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.