Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

'Fake news' na mira

É difícil identificar conteúdo falso, e combatê-lo pode dar em censura

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Na segunda (18), manchete da Folha apontou que, de olho nas eleições municipais de 2020, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) propõe regulamentação para tentar conter as chamadas "fake news".

A medida em discussão pretende punir o candidato, o partido ou a coligação que compartilhar informação falsa durante a campanha.

A ideia é que as informações sejam checadas antes de divulgadas e, em caso de contestação, que seja provado o uso de fontes de "notória credibilidade". Caso contrário, quem se sentiu ofendido pode pleitear direito de resposta, além de responsabilização penal.

Ilustração Ombudsman
Carvall

Controverso, o termo "fake news" é amplamente usado. Mas, se não é fácil definir o que é "fake news", imagine combatê-la de forma eficiente.

Reportagens que desagradam, erros em matérias, títulos descalibrados e até colunas de opinião levam esse nome, embora não sejam "fake news".

"Fake news" são conteúdo falso. É uma mentira com aparência de verdade que mimetiza a forma da notícia. Para isso, lança mão da linguagem jornalística e busca popularidade nas redes sociais.

Um aspecto crucial é saber diferenciá-la dos erros cometidos pela imprensa.

Diferentemente da notícia, as "fake news" são produzidas anonimamente e buscam induzir a erro para obter vantagem econômica ou política.

Uma Redação profissional é alvo da cobrança do público e pode ser responsabilizada. Quem são os autores de "fake news"? Não se sabe e, portanto, deles nada pode ser cobrado.

A despeito dessa diferença, o presidente não perde a chance de acusar a grande imprensa de produzir "fake news".

Na quarta (20), Jair Bolsonaro criticou a Folha por mostrar que o orçamento do Bolsa Família para este ano é insuficiente para pagar o 13º aos beneficiários do programa.

Em vez de dizer à sociedade de onde sairá o dinheiro para o pagamento, o presidente partiu para o ataque. “Suspendi minha assinatura e muitos empresários têm cancelado contratos publicitários nesse jornal campeão de 'fake news' e desinformação”, disse.

Na quinta (21), o presidente criticou matéria da Folha sobre honraria recebida pelo cunhado da apresentadora Ana Hickmann. Gustavo Corrêa recebeu uma medalha por matar a tiros um homem que atacou a sua família.

Sem entrar no mérito da premiação, a linha fina do texto (a frase logo abaixo do título da matéria) dizia: “Indicado por Eduardo Bolsonaro, empresário Gustavo Corrêa matou fã de Hickmann em hotel de Belo Horizonte após emboscada”.

Como bem disse um leitor, a frase insinua que Corrêa armou emboscada para matar um fã da cunhada e, por isso, foi indicado por Eduardo Bolsonaro para receber a maior honraria da Câmara—o que não procede.
Ainda assim, não é possível dizer que o jornal produziu "fake news". Houve erro (corrigido) na construção da frase. 

Na mesma semana, um artigo do deputado federal Hélio Lopes (PSL) deixou leitores estupefatos por negar o racismo da sociedade brasileira com base em distorção de fatos históricos.

Diante do saudável exercício de abrir espaço para opiniões divergentes, a imprensa tem dado visibilidade a personalidades que cumprem o papel de transformar desinformação em "argumento racional".

O artigo de opinião é passe livre para mentira e imprecisão? Não é. Nem por isso pode ser considerado "fake news".

O texto foi publicado num jornal cujo endereço é conhecido, os leitores podem contestá-lo e exigir direito de resposta.

Em outro episódio, a Folha foi acusada de falsificação ao ilustrar com foto de um protesto pró-Evo Morales em São Paulo (cuja legenda dizia isso) reportagem sobre opositores do ex-presidente boliviano.
O jornal reconheceu a falha na edição e promete novo texto.

O fato é que a imprensa não tem o monopólio da verdade. Ela erra e desinforma. A questão é que, quando isso acontece, a sociedade tem meios para cobrar as correções.

No caso de conteúdo fraudulento, não há espaço para contestação dos acusados nem correção de erros—mesmo porque o erro é proposital.

Durante a campanha presidencial, circulou um vídeo que mostrava uma mamadeira com bico em formato de pênis e que seria distribuída nas creches paulistanas em iniciativa do ex-prefeito Fernando Haddad—esse, sim, um caso clássico de "fake news".

O TSE determinou a retirada do vídeo. Nesses casos, como fica o direito de resposta? Em que plataforma ele se dará? Qual será o seu alcance?

Tudo isso para dizer que a tarefa a que o TSE se propõe é mais complexa do que parece.

A proposta deixa nas mãos do juiz dizer o que é fonte "de notória credibilidade", abrindo espaço para arbitrariedades.

Além disso, há a dificuldade de identificar o que é "fake news" e, na tentativa de combatê-la, o risco de confusão e censura não deve ser desprezado.

 

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