Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Flavia Lima

O discurso único na economia

Sem vozes dissonantes, leitor tende a aceitar a inevitabilidade de uma agenda

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Foi uma semana agitada na área econômica, em meio aos efeitos do novo coronavírus sobre a economia mundial e à revelação de que o crescimento econômico do Brasil em 2019 ficou bem abaixo das previsões feitas pelo mercado logo após as eleições presidenciais.

Na cobertura econômica, a Folha tropeçou na largada, mas conseguiu acertar o passo.

Ilustração de Carvall  publicada na Folha no dia 08 de março de 2020 mostra uma bússola voltada para um cifrão.
Carvall

Na terça-feira (3), a manchete do jornal dizia "Coronavírus pode gerar nova recessão global, afirma OCDE", a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

Na verdade, todos os números apresentados pela reportagem apontavam para uma expectativa de desaceleração do crescimento das principais economias, e não para uma contração, uma queda. O erro foi corrigido pelo jornal.

No dia seguinte, foi divulgado o desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) de 2019.

Diante de uma alta de apenas 1,1% (em meados de 2018, os analistas flertavam com expansão de 3%) e da decisão inicial do presidente Jair Bolsonaro de não comentar os números do seu primeiro ano de governo, a Folha acertou já na manchete ao entregar um bom resumo dos acontecimentos.

Numa boa frase estampada na manchete de quinta (5), o jornal conseguiu sintetizar os fatos do dia anterior: "Investimento afunda, PIB freia, Bolsonaro faz piada".

Bolsonaro repetiu a tática de jogar bomba de fumaça para dispersar a atenção quando o assunto não o favorece: pela manhã, em frente ao Palácio da Alvorada, nada disse sobre o fraco crescimento e inovou ao trazer consigo um comediante que, entre outras atitudes constrangedoras, distribuiu bananas aos jornalistas.

Da parte do presidente, o que ele fez foi avançar mais algumas casas no deprimente espetáculo de desrespeito aos profissionais da imprensa que, também nesse caso, se estendeu à própria população, a quem Bolsonaro deve satisfações.

A Folha, em sua cobertura econômica, pode aproveitar o momento para oferecer um quadro mais amplo ao leitor.

Desde que o país registrou dois períodos consecutivos de queda de mais de 3% do PIB nos últimos anos do governo Dilma, os economistas comprometidos com a chamada austeridade fiscal—o controle dos gastos públicos—dominam o debate público.

No entanto, após o terceiro ano consecutivo de baixo crescimento, em 2019, é natural que o leitor questione o que, afinal, não tem funcionado.

Por que a reforma da Previdência não estimulou o crescimento e a reforma trabalhista não gerou empregos

As dúvidas e críticas, legítimas, abrem espaço para que as possibilidades de diálogo entre correntes divergentes no debate econômico voltem a ter vez.

Afinal de contas, muitos dos economistas que hoje dão as cartas no debate econômico destacaram-se justamente pelas críticas que faziam às políticas elaboradas durante os governos petistas—como a de subsídios dados a empresas ou a de empréstimos oferecidos pelos bancos públicos.

Sobretudo após a derrocada econômica do governo Dilma e a operação Lava Jato, parte do próprio jornalismo econômico parece ter assumido como seu um discurso que tem o corte de gastos como receita única, vê o Estado como fonte de todos os problemas e entende a política como um caldo de corrupção.

No entanto, a imprensa que se diz plural deveria atuar como promotora do debate, colhendo informação de quem entende do assunto, questionando dados fantasiosos e mentiras e garantindo a pluralidade de opiniões.

A política pública comporta, mantendo-se um nível adequado de conhecimento, diferentes visões—que vão além daquela dos operadores do mercado financeiro.

Não se trata de dar bola a terraplanistas. Entre fiscalistas e antirreformistas, há diversos tons, cujas características precisam ser antes entendidas pelos próprios repórteres.

O erro dos especialistas, seja ele teórico, conceitual ou na defesa e implementação de uma política, faz parte do jogo. Quem erra precisa ser cobrado do erro, de forma democrática, com espaço para se explicar e para reformular.

A Folha define-se como um veículo de inspiração liberal e reformista, o que deixa claro em seus editoriais—o mais recente, deste sábado (7)—e não difere muito, nesse aspecto, da grande imprensa de modo geral.

Nas reportagens que apresenta em seu caderno de economia, porém, a Folha precisa apresentar contrapontos, que são cruciais ao debate e parte do papel do jornalismo.

Em economia, um tema árido, é natural que o público confie muito no que lê nos jornais. Logo, não ouvir a voz dissonante é tirar do leitor a capacidade de escolha, levando-o a aceitar a inevitabilidade de uma agenda e de uma opinião.

Ao jornalista Celso Pinto.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.