Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

Testando a paciência do leitor

Eventos irritam leitorado e põem em xeque o trabalho dos repórteres do jornal

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Pouca coisa tem mobilizado mais o leitor da Folha do que o acesso às notícias sobre o coronavírus do jornal.

Em nome do legítimo interesse público, chegam desde sugestões de liberação do conteúdo por prazo determinado até pedidos de acesso irrestrito.

Ilustração da coluna Ombudsman do dia 29 de março de 2020. Nela uma bota na horizontal. Dentro dela saem vários coronavírus da cor verde.
Carvall

Os pedidos se intensificaram depois que a Folha decidiu liberar o acesso de não assinantes a reportagens sobre o coronavírus—o que ocorreu um dia depois de a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarar pandemia.

Segundo a Folha, estão liberadas as reportagens que esclarecem dúvidas sobre o vírus e trazem informações essenciais para o leitor lidar com a doença—o que também acontece em outros jornais brasileiros e estrangeiros.

A medida tem relevância sobretudo em um momento no qual a população é exposta à desinformação cuja fonte não são só aplicativos de mensagens e as redes sociais, mas a Presidência da República.

Ter acesso ao conteúdo dos jornais é instrumento contra a ignorância, a irresponsabilidade e a má-fé—além de autodefesa.

No entanto, a decisão de liberar o acesso é atípica. E, por mais indelicado que pareça lembrar isso num momento como o atual, o jornal continua precisando de assinantes para manter o seu negócio.

A coluna apurou que, no domingo (22), as vendas de assinaturas pelos canais digitais bateram o recorde diário, um sinal auspicioso de que o leitor reconhece o valor da notícia e está disposto a pagar por ela.

Dito isso, é tênue a linha que separa a tentativa de atrair o leitor com conteúdo e a atitude de torrar a sua paciência com o que parece ser pouco-caso.

A Folha montou uma lista de matérias relacionadas à pandemia com livre acesso, mas, no mar de reportagens produzidas, ainda que seja raro encontrar um texto que não esteja relacionado ao tema, a lista dos que foram liberados é muito limitada.

Na sexta-feira (27), foram publicados no jornal impresso, apenas no caderno Saúde, mais de 15 textos de conteúdo noticioso (portanto sem contar colunas e análises) cujo tema era o coronavírus. No mesmo dia, eram duas as matérias na lista de textos liberados.

Além disso, há leitores desesperados por não conseguir acessar reportagens que fazem parte da lista.

O secretário de Redação, Vinicius Mota, diz que as reportagens sobre a epidemia de coronavírus consideradas de utilidade pública pela Redação são liberadas do paywall. "Gostaríamos que os leitores nos informassem de quaisquer problemas de acesso a esse conteúdo gratuito para solucionarmos logo o defeito", diz ele.

O leitor vem fazendo isso, sou testemunha.

Dada a necessidade de informação, a lista de matérias com livre acesso precisa ser ampliada. Além disso, a Folha deveria ao menos deixar claro quais são os critérios usados para selecionar as reportagens, pois parecem arbitrários.

No mais, blogs e colunas seguem disponíveis apenas para assinantes. No caso específico de coluna publicada na quarta (25), ainda bem.

O não assinante foi poupado de um texto recebido com desagrado por muitos leitores.

Nele, o engenheiro Helio Beltrão pede a liberação do uso da hidroxicloroquina em casos sintomáticos da Covid-19.

A coluna, escrita por uma pessoa que não é especialista, fala em "resultados excelentes" da substância e sugere a liberação do uso para todos os casos sintomáticos, não apenas os graves.

A droga, usada para tratar o lúpus, por exemplo, vem sendo testada de modo preliminar em pacientes infectados pelo coronavírus, sem, por ora, resultados conclusivos.

O presidente é outro que fala sobre a substância, no que parece ser uma tentativa de desviar a atenção. Entre quem entende do assunto, o extremo cuidado com que o tema vem sendo tratado busca sobretudo evitar a automedicação.

Mota, secretário de Redação, diz que "é um texto de opinião, cuja liberdade tem ampla guarida na Folha. Questionamentos à posição do colunista também têm sido publicados".

Por definição, o colunista tem independência. Mas o texto desinforma e, no limite, pode expor os leitores a riscos.

Praticar o pluralismo não significa abrir mão da apuração factual. Isso está dito no Manual da Redação, que, entre outros pontos, recomenda aos colunistas que "fatos recém-ocorridos e de grande impacto devem ser tratados com cautela".

Há inúmeras maneiras de afastar o leitor. Parecem bons exemplos disso tanto os testes de paciência com a lista de reportagens liberadas sobre o coronavírus quanto a irresponsabilidade de um colunista.

São eventos que, ainda mais num momento tão sensível, mais do que irritar o leitor, como ocorre no primeiro caso, podem até pôr em xeque o trabalho dos repórteres do jornal. "Não é pluralidade, é temeridade", diz um leitor.

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