Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

Redações em quarentena

Pandemia muda rotina de jornalistas e pode acelerar mudanças profundas no setor

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Daqui a alguns anos, os filmes que vão retratar como a imprensa cobriu a pandemia do coronavírus não vão poder mostrar imagens das Redações de jornal com pessoas em frente aos computadores, televisões ligadas e xícaras de cafés sobre mesas bagunçadas.

Não é de agora que há menos gente nas Redações, mas o que aconteceu nos principais jornais do mundo em poucas semanas é inédito.

Ilustração mostra frigideira com ovo frito no formato do mapa do Brasil
Carvall

Se a crise financeira pela qual passa o jornalismo vinha transformando essa dinâmica, a pandemia alterou-a muito mais rápida e radicalmente—e pode impor mudanças profundas a médio prazo.

Em um movimento progressivo, estabelecido com mais força na semana de 23 de março, 90% da Redação da Folha (repórteres, redatores, editores, infografistas e diagramadores) estão em home office.

A exceção são o comando da Redação e uns poucos profissionais, como os do núcleo que produz o jornal impresso.

Quem vai para a rua vem recebendo tratamento especial.

Desde os primeiros casos registrados da doença no país, o jornal se mexeu para distribuir álcool em gel, além de máscaras e luvas para os repórteres que saem para entrevistar as personagens que dão rosto à crise sanitária.

A coluna apurou que a Folha encomendou até mesmo as roupas vistas em imagens de países que lidam com a fase mais dura da doença (de "astronauta") para os repórteres que contarão o que se passa nos hospitais do país.

Para além disso, a rotina dos jornalistas sofreu significativa mudança. A percepção geral é que a falta de convívio afeta sobretudo a comunicação.

Problemas técnicos, como a lentidão dos equipamentos, ou a inadequação do novo ambiente de trabalho (a cadeira da sala ou do quarto, a altura do computador), somam-se à descoberta, para muitos, das tarefas domésticas (sem mencionar a intensa relação com os filhos).

Em casa, além de ser muito mais difícil desligar-se das demandas domésticas e afetivas, é grande o risco de que boas ideias se percam no volume gigantesco de mensagens trocadas por aplicativos.

Roberto Dias, secretário de Redação da Folha, concorda que os processos de tomada de decisão e de publicação estão mais lentos, mas ressalta que os efeitos sobre o conteúdo do jornal têm sido mínimos, porque os jornalistas têm demonstrado muita disposição de superar tais obstáculos.

Dias afirma que o recorde de audiência batido no mês de março, com quase 70 milhões de visitantes no site do jornal, mostra que o leitor tem valorizado o conteúdo produzido.

De fato, há uma busca extraordinária por informação rápida e bem apurada vinda de uma área que nem sempre esteve em primeiro plano.

Entre os leitores da Folha, em poucos dias, os holofotes se deslocaram de Poder, o caderno do jornal que trata de notícias sobre política, para a supereditoria que reúne Cotidiano, Saúde e Ciência.

Formado em meados de março, esse grande núcleo produziu apenas naquele mês cerca de 850 conteúdos noticiosos em comparação a uma média de 500 em tempos normais.

Mas não há garantias de que esse ambiente de revalorização do jornalismo e da informação confiável não desemboque em perdas importantes.

A crise força as Redações a aprender a trabalhar de outro jeito e acelera mudanças que já estavam no horizonte.

Olhando mais à frente, o home office deve se tornar uma realidade.

"É possível que aprendamos a conviver melhor com o trabalho remoto. Além disso, talvez as reuniões a distância se tornem quase tão naturais quanto as presenciais", afirma Dias.

Ao mesmo tempo, ainda não se sabe de que forma (e em quanto tempo) a crise vai atingir o negócio dos jornais.

No mundo das previsões econômicas, já há quem fale numa queda de até 5% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2020.

É quase certo que o cenário traçado causará um baque na receita dos jornais com anunciantes e assinantes, à medida que as empresas tenham suas próprias receitas atingidas e os leitores se vejam obrigados a cortar gastos.

Os seminários e eventos, fonte alternativa importante de receita para os jornais, foram interrompidos em meio às restrições do coronavírus.

Algumas iniciativas já parecem apontar para um fim mais rápido das edições em papel.

Em meio à pandemia, a distribuição das edições impressas da Folha, do Estado de S. Paulo e de O Globo foi afetada pela alta de tarifas aéreas.

Entre os jornalistas, há não só o reconhecimento da importância de acompanhar um evento com tal peso histórico como a preocupação em dar conta de uma cobertura tão complexa e pesada.

Como a crise do coronavírus poderá repercutir nos empregos e na forma de fazer notícia, no entanto, ainda não está muito claro. Espera-se que os thrillers jornalísticos ainda tenham muito o que mostrar.

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