Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

A imprensa e seu ídolo

Jornalismo ameaça vestir novamente a camisa do ex-ministro Sergio Moro

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Ainda é cedo para avaliar a cobertura feita pela mídia dos desdobramentos da saída do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, do governo Bolsonaro.

O embate revelado por Moro, que deixou o governo acusando o presidente Jair Bolsonaro de intervir politicamente nas investigações da Polícia Federal (PF), promete lances importantes. No sábado (2), estava previsto o depoimento do ex-juiz à PF sobre as acusações.

Ilustração em azul de uma montanha-russa. Acima, a palavra "jornalismo"
Carvall

As muitas matérias feitas a respeito ao longo da semana exploraram o diz que diz e os crimes que podem ter sido cometidos pelo presidente ao ter requisitado à Polícia Federal acesso a relatórios de inteligência e sugerido investigações.

Sobre Moro, o que não foi visto (ou lido) indica que, mais uma vez, a imprensa corre o risco de que a sua antiga reverência ao personagem lhe poupe de questionamentos.

Na sexta (24), dia em que Moro anunciou que deixaria o governo, Bolsonaro disse num ressentido pronunciamento que tinha em Moro um ídolo.

Não é exagero dizer que foi dessa forma que Moro foi encarado por boa parte da imprensa durante os anos de operação Lava Jato e do seu período à frente do superministério.

Em texto recente escrito para a Folha, os cientistas políticos Fernando Limongi e Argelina Cheiub Figueiredo afirmam que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Celso de Mello, ao acatar pedido da PGR (Procuradoria Geral da República) para apurar o relato de Moro, teria dado, implicitamente, mais fé à palavra do ministro demissionário do que à do presidente.

A imprensa também parece dar mais valor às falas do ex-ministro. Mas não deveria. Nem Moro nem ninguém deve estar imune a questionamentos.

O agora ex-ministro bolsonarista não pode voltar ao pedestal que ocupava antes dos vazamentos das mensagens obtidas pelo The Intercept, que puseram em dúvida a sua imparcialidade como juiz e indicaram que seus métodos continham problemas.

Moro nunca foi muito afeito ao contraditório—no curso da Lava Jato, chegou a escrever para a Folha lamentando o espaço dado a um artigo de opinião com críticas à sua performance na operação. Mas a imprensa tem (ou deveria ter) o contraditório como um pilar.

Nos dias seguintes ao depoimento de Moro, jornais de grande circulação e canais noticiosos falaram que o ex-juiz impusera dura derrota a Bolsonaro, uma espécie de 7 x 1, o que ainda precisa ser confirmado. Fora a bajulação explícita.

Houve reportagem dizendo que Moro nunca repassou as ordens recebidas de Bolsonaro para interferir na PF—o que, num texto noticioso, deveria ser atribuído a uma fala do próprio ex-ministro, e não aparecer como uma afirmação inconteste.

Algumas entrevistas revelaram muito pouco, como a concedida pelo próprio Moro à Revista Veja.

Sem ser perturbado com perguntas incômodas, Moro disse, segundo a revista, que foi descobrindo aos poucos que embarcara numa fria e que acha “engraçado” pessoas insistirem em dizer que poderia ter algo errado no pedido de pensão que fez a Bolsonaro caso algo lhe acontecesse.

Uma das muitas perguntas não feitas: por que seria engraçado, é lícito fazer tal pedido?

A Folha tentou escapar da mesmice. No domingo (26), uma boa análise perguntava por que Moro silenciou por tanto tempo diante dos abusos do chefe, além de trazer outras questões relevantes.

No meio da semana, reportagem abordava os possíveis crimes de Moro contra Bolsonaro, e um especialista, em artigo de opinião, fez um balanço do ex-juiz à frente do Ministério da Justiça.

Ainda há muitas dúvidas. Se não foi a primeira vez que Bolsonaro demonstrou vontade de interferir em investigações, houve omissão de Moro diante de possíveis atos ilegais do presidente? Moro chegou a atender a algum pedido impróprio? Por que o ex-ministro levou tanto tempo para decidir salvar a sua biografia e por que acreditava que ela estivesse intacta?

Em entrevista dada em fevereiro ao Estado de S. Paulo, Rosângela Moro disse ver o governo de Jair Bolsonaro e Sergio Moro como “uma coisa só”. O que mudou em tão pouco tempo?

As acusações do ex-juiz são verossímeis, mas há explicações e provas a apresentar. Além disso, Moro, durante a Lava Jato, mostrou grande habilidade em manejar as informações que passa para a imprensa. Os jornalistas não podem se esquecer disso.

Soube-se, com as mensagens vazadas, que alguns repórteres cultivaram laços impróprios com Moro e os procuradores de Curitiba e isso não pode voltar a ocorrer em nome do que quer que seja.

Após um início vacilante, a imprensa tem uma segunda chance de fazer jornalismo em cobertura envolvendo novamente a figura de Sergio Moro.​

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