Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

Oi, Folha, tudo bem?

Esforço do jornal em combater fake news é sabotado por algoritmos do marketing

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Venho recebendo mensagens de leitores me recomendando conteúdos que seriam mais esclarecedores do que as reportagens que a Folha produz.

“Desculpe-me a franqueza, mas a mídia ou está vendida ao sistema ou é muito incompetente. A cura do Sars-CoV-2 já existe há mais de 70 anos. Estão escondendo isso do povo e levando-o a morrer desnecessariamente”, disse-me um leitor ao recomendar um vídeo.

Ilustração coluna Ombudsman 24.mai
Carvall

No vídeo, um homem que se diz médico, pesquisador e cientista faz propaganda da famosa hidroxicloroquina. Medicamento que, segundo ele, existe há 70 anos e “cabe como uma luva” no combate à Covid-19.

“E, quando falarem por aí, na mídia, mal do remédio, dizendo que ele tem os efeitos colaterais terríveis, isso é mentira.”

Com mais de 32 mil visualizações, o homem oferece também um curso por R$ 39,90 e pede ajuda ao canal por R$ 7,99.

A estratégia deve estar funcionando. O vídeo é patrocinado por marcas conhecidas, prova de que se pode ganhar dinheiro com a desinformação.

E se o leitor encontrasse, em um desses canais, um anúncio da Folha? Aconteceu.

Na segunda (18), um perfil no Twitter alertava: “Oi Folha, tudo bem? Andei pesquisando por aí e descobri um anúncio de coleção sua no site que mais propalou fake news durante a eleição de 2018. Um anúncio de mídia informativa em um site de desinformação não dá, né? Pls, considere bloquear”.

O anúncio de uma coleção de livros da Folha foi encontrado no Jornal da Cidade Online, portal acusado de produzir conteúdo ofensivo e desinformação. Seu editor-chefe, José Tolentino, disse à Folha que o veículo sofre “ataques sórdidos” e que o portal é independente.

O aviso à Folha foi feito por um movimento criado em 2016 nos EUA e chamado “Sleeping Giants”. Há poucos dias no Brasil, o grupo, anônimo por aqui, diz que busca alertar empresas que financiam, involuntariamente e por meio de anúncios, sites de extrema direita que publicam desinformação e estimulam o discurso do ódio (preconceito, racismo, homofobia).

Curiosamente, a Folha anunciou num site que produz conteúdo contra o jornal. Em uma das entrevistas veiculadas pelo portal de Tolentino, feita com deputadas bolsonaristas durante a CPI contra fake news, uma repórter pergunta: “É mais uma fake news publicada pela Folha; já basta, né?”.

Parece contraditório que a Folha, que se posiciona de forma enfática contra conteúdo falso, ao mesmo tempo promova publicidade num canal em que, provavelmente, não vai conquistar assinantes nem leitores para as suas coleções.

Para entender o que aconteceu, no entanto, é preciso saber que, hoje, a publicidade não se resume mais à compra tradicional de espaço para anúncios onde a empresa quer ver a sua marca.

Com a proliferação de sites na internet, essa escolha se tornou muito mais difícil e custosa.

Para facilitar, empresas, como o Google, oferecem um sistema de distribuição de banners em sites e blogs, a chamada “mídia programática”.

O anunciante define as características do público que quer atingir e pode escolher sites em que não quer aparecer —o que precisa ser feito olhando endereço por endereço.

Mas um processo mais simples permite que o anunciante exclua categorias inteiras de sites (de sexo ou violentos). A categorização, porém, segue informações dadas pelo próprio dono do site. Além disso, o ato de excluir uma categoria (política, por exemplo) significa abrir mão de todo o universo de sites ligados ao tema.

A audiência move todo o processo, que parece bom para o Google, que tem a ferramenta, para as empresas, que automatizam a distribuição de anúncios e ganham escala para suas marcas. E para os sites.

Profissionais do meio ouvidos pela coluna dizem que, no geral, do valor desembolsado pelo anunciante, a agência de publicidade fica com um percentual em torno de 10% a 15% para gerenciar o processo. Algo entre 5% e 15% vai para o Google e o resto é distribuído para centenas ou milhares de sites, que ganham por clique.

Após o ocorrido, a Folha disse: “Por um erro de procedimento, anúncios da Coleção Folha foram direcionados ao site de fake news Jornal da Cidade Online. Após alerta, nossa equipe de marketing suspendeu a veiculação de campanhas em sites de terceiros e está revisando domínios bloqueados”.

Por meio de porta-voz, o Google diz que as plataformas oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos.

Por fim, a estratégia dos “Sleeping Giants” lembra pressões exercidas por ambientalistas sobre grandes companhias e seus investimentos. É preciso entender melhor os critérios que usam para monitorar páginas de desinformação.

No imbróglio, ironicamente, o esforço da Folha em combater conteúdo falso foi sabotado por algoritmos do marketing.

E o leitor? Precisa se responsabilizar por aquilo que busca como informação. E entender que notícias não são feitas para confirmar as suas opiniões.

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