Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

Fake news na mira da lei

Embaralhar erro e conteúdo fraudulento presta um serviço apenas a este último

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Em algumas circunstâncias, um erro é só um erro mesmo, que deve ser corrigido.

Toda semana, no entanto, recebo alguns comentários de leitores apontando supostas fake news produzidas pela Folha, que compreendem números errados, informações mal apuradas e até mesmo idas e vindas inerentes à cobertura de uma doença—o coronavírus—que a ciência ainda não deu conta de explicar totalmente.

"Além dos constantes erros de ortografia agora temos que conviver com fake news? Vamos melhorar, isso está horrível", escreveu um leitor no último fim de semana.

Ilustração Carvall da coluna Ombudsman publicada no dia 26 de julho 2020.
Folhapress

O leitor se referia a um texto no impresso de sábado (18), que trazia os números da Covid-19 nos EUA. Enquanto o corpo do texto falava em 77 mil novos casos em 24 horas, o título citava 77 mil mortes.

O título estava errado, mas não pode ser qualificado como fake news. Antes, é preciso encarar o fato de que os jornais erram e devem se corrigir.

Segundo estudiosos do assunto, as chamadas "fake news" são outra coisa: desinformação produzida de maneira deliberada e com o objetivo de levar a erro.

Os jornais podem divulgar conteúdo fraudulento? Até podem, mas veículos de comunicação que se afastaram das boas práticas e abraçaram a desinformação como método perderam credibilidade.

Se a confiabilidade da imprensa tradicional, de blogs e de sites independentes de notícias se baseia em credibilidade, espalhar fake news seria contraproducente.

No limite, sobrariam apenas os leitores que pagariam para ser enganados, o que não parece fazer muito sentido, dada a profusão de desinformação compartilhada de forma gratuita nas redes sociais.

Por outro lado, a sobrevivência de aplicativos de mensagens e redes sociais não depende de credibilidade. São meios que ganharam relevância como suporte da liberdade de opinião, mas, ao se tornarem terreno fértil também para a desinformação, acabaram levantando preocupações.

Como lidar com fake news? Cada país discute uma solução. No Brasil, o projeto de lei aprovado no Senado e hoje sob análise na Câmara dos Deputados busca combatê-las.

A princípio, houve uma tentativa de estabelecer o que é ou não desinformação, mas isso foi abandonado. Qualificar conteúdos não é trivial.

As agências de verificação se propõem a esquadrinhar o que é fato e o que é falso. Ir além desse trabalho, delegando a tarefa às próprias plataformas ou à Justiça, seria entrar em um terreno pantanoso, com um risco grande de arbitrariedade e censura.

O projeto decidiu se concentrar, então, não na desinformação propriamente dita, repassada por qualquer um e sobre qualquer assunto, mas nas redes profissionalizadas de fake news: grupos organizados e financiados, que desafiam as regras ao disseminar milhões de mensagens por meio de contas falsas, engajamentos comprados e robôs não autorizados.

pontos controversos, como o que prescreve o arquivamento de dados dos responsáveis por encaminhar mensagens que, segundo critérios do projeto, viralizaram—o que poderia ferir a privacidade e a intimidade.

Outro ponto debatido é o que obriga as plataformas a excluir posts desde que a decisão seja justificada e que o atingido possa recorrer dessa decisão. O que é entendido por alguns como algo acertado, por outros é visto como uma chancela à remoção de conteúdo por processos pouco claros.

De modo geral, a avaliação é que a lei vem em boa hora, promovendo maior transparência em relação aos conteúdos impulsionados e patrocinados e impondo restrições ao uso de mecanismos para disparos em massa de mensagens.

Nem todo erro cometido nas redes é intencional, mas há uma indústria da desinformação. É ela que está na mira dos legisladores.

Combater esses abusos pode, inclusive, fortalecer o jornalismo, à medida que a imprensa também é alvo de desinformação formulada para desacreditar o seu conteúdo e colocá-la sob suspeição.

São inúmeros os exemplos de personalidades públicas e políticos que reagem a conteúdo noticioso tirando do bolso a acusação de fraude: "Não prestem atenção, isso é fake news", o que nos traz de volta à tentativa de igualar os erros cometidos pelo jornalismo à desinformação intencional.

O leitor questiona se, além dos constantes erros de ortografia, teremos que conviver com as fake news. Provavelmente, pois o fenômeno não parece passageiro. Mas embaralhar conteúdo noticioso e fraudulento parece prestar um serviço apenas a este último.

Tudo é novo, lidamos com aprendizados. Mas, ainda que esbarrem uma na outra, a indústria da informação e a da desinformação não se confundem. Conteúdo fraudulento é diferente de erro comum, cometido pelos jornais em número maior do que gostaríamos.

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