Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

As novas ações contra a corrupção

Jornalismo tem bons motivos para examinar essas operações criticamente

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Depois de uns bons anos de cobertura da Operação Lava Jato, era esperado que a imprensa tivesse aprendido muita coisa.

Em algumas ocasiões, no entanto, reaparece a dificuldade de contextualizar decisões judiciais, e novamente limitam-se os jornais a reproduzi-las, assim como as informações apresentadas pela acusação.

Ilustração
Carvall

Na quarta-feira (9), foi deflagrada operação para investigar um suposto esquema de tráfico de influência no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no TCU (Tribunal de Contas da União) envolvendo o desvio de recursos públicos do Sistema S.

As medidas de busca e apreensão foram autorizadas pelo juiz federal Marcelo Bretas, responsável pela Operação Lava Jato no Rio de Janeiro. A origem da apuração foi uma delação premiada do ex-presidente da Fecomércio, Sesc Rio e Senac Rio Orlando Diniz.

Entre os alvos dos mandados estão vários advogados, entre os quais parentes de ministros do STJ, como o advogado Eduardo Martins, filho do atual presidente do STJ, Humberto Martins, e Cristiano Zanin e Roberto Teixeira, advogados do ex-presidente Lula, acusados de liderar o esquema.

Leitores reclamaram das manchetes que pipocaram em toda a imprensa sobre os "advogados de Lula".
Zanin é conhecido publicamente por ser advogado do ex-presidente, portanto é razoável apresentá-lo dessa forma. Houve, porém, uma superexploração da conexão: pela mídia e pelo próprio advogado. Vou me ater à mídia.

Segundo a Folha, Lula foi citado cinco vezes na peça de 510 páginas produzida pelo Ministério Público Federal—sempre em depoimentos que indicam a proximidade do advogado Roberto Teixeira com o ex-presidente.

No dia seguinte ao anúncio da operação, em duas páginas de reportagens apenas no jornal impresso, o jornal citou o nome de Lula pelo menos 11 vezes entre títulos, legendas e textos publicados.

Também chamou a atenção o destaque dado à reportagem "Advogado de Lula cobrou Fecomércio por gasto em defesa de ex-presidente, indicam documentos", que se manteve na manchete do site por quase toda a tarde de quinta (10). Segundo o texto, escritório de Zanin solicitou à entidade reembolso por uma viagem a Brasília feita para uma audiência em processo do ex-presidente.

Para um leitor, a qualidade do texto não justificaria a exposição, sobretudo porque o vínculo do gasto com a defesa do ex-presidente não foi mencionado na denúncia do Ministério Público Federal. "Se o MPF não viu relevância, por que a Folha viu? Isso não ficou bem explicado na matéria", disse o leitor.

O caso é complexo e suscita muitas questões que merecem ser respondidas: operações de busca em escritórios de advocacia são comuns? A competência para decretar a busca e apreensão é mesmo federal? Se a denúncia já estava pronta, para que as buscas foram feitas depois dela?

Para se ter uma ideia do tamanho do imbróglio, na sexta-feira (11), soube-se que Bretas será julgado nesta semana por participar de eventos políticos ao lado do presidente Jair Bolsonaro e do prefeito do Rio, Marcelo Crivella (magistrados não podem se envolver em atividades político-partidárias).

E quando o procedimento contra Bretas foi iniciado? Em maio, por determinação do então corregedor nacional de Justiça e atual presidente do STJ, Humberto Martins, cujo filho está sendo investigado com autorização de Bretas.

Assim, esse é um belo exemplo de operação cuja mera reprodução do que dizem o juiz ou a acusação não levará o leitor muito longe. Mas há outras operações.

A autorização para afastar do cargo o governador do Rio, Wilson Witzel, não foi dada por um colegiado, mas por uma decisão monocrática do STJ, o que também causou estranheza entre especialistas. Fora as implicações políticas da ação.

Em análise publicada na Folha sobre o caso Witzel, Eloísa Machado de Almeida, professora da FGV Direito SP, disse que, mesmo estando o caso repleto de indícios de crimes de corrupção, a substituição de maus políticos por meio de decisões judiciais instáveis, sem colegialidade e sujeitas a maior politização, não pode ser considerada um bom resultado.

Trazendo o raciocínio para a cobertura jornalística, ainda que haja indícios de crime, é preciso que o jornal não se exima de discutir possíveis falhas de procedimento, além dos interesses envolvidos. Os leitores parecem saber disso e se mostram cada dia mais exigentes.

Como já escrevi neste espaço, foram muitas as manchetes publicadas no estilo "A disse que B fez tal coisa, segundo a Lava Jato", e parte dessas acusações foram revistas, invalidadas ou não deram em nada, sem que uma nova manchete fosse publicada.

Ou seja, o jornalismo tem bons motivos para examinar essa nova safra de ações contra a corrupção criticamente.

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