Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima
Descrição de chapéu google internet jornalismo

Quem vai salvar o jornalismo?

Debate em torno de financiamento não exime jornalismo de se reinventar

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O que aconteceu com as pessoas que alugavam DVDs em locadoras? Não deixaram de ver filmes, apenas passaram a assistir a eles por meio de outros serviços.

Suspeito que, assim como os filmes, as notícias não deixarão de ser consumidas; a questão é saber de que forma.

A letra F do logotipo da Folha sobre uma toalha quadriculada
Carvall

Não é segredo que o jornalismo profissional enfrenta desafios trazidos por novas tecnologias. Na raiz da crise da indústria está o ambiente criado pelas grandes plataformas digitais. Jornais e revistas perderam o monopólio da distribuição da notícia, dos anúncios e da atenção do leitor diante de tecnologias mais eficazes.

O antigo modelo de financiamento dos jornais, calcado na publicidade, evaporou. No novo modelo de negócios, as assinaturas ganharam centralidade, embora, à exceção de poucos veículos, como o americano The New York Times, sejam insuficientes para pagar as contas.

Quem mais estaria disposto a pagar por notícia? Bem, o Google.

Em junho, a plataforma anunciou que passaria a remunerar o jornalismo profissional. Mais especificamente US$ 1 bilhão em três anos para licenciar notícias produzidas por jornais e revistas de várias partes do mundo.

No início do mês, a experiência passou a valer no Brasil e na Alemanha. Os primeiros veículos a fechar o acordo foram o jornal Estado de Minas e A Gazeta, do Espírito Santo, entre mais de 20 publicações, entre as quais a Folha, o portal UOL, o jornal O Estado de S. Paulo, as revistas Veja e Piauí, além de Band, Jovem Pan e outros veículos regionais.

A ideia do Google News Showcase, ou Destaques, em português, é devolver aos jornais e revistas a tarefa de escolher e apresentar o conteúdo noticioso numa espécie de menu degustação (reunido em um aplicativo de celular).

Seria um movimento de revalorização do discernimento dos editores no lugar dos algoritmos que regem a distribuição de conteúdo. Sob esse desenho, o Google paga para que um punhado de notícias se mantenha livre do paywall.

É como se uma plataforma de streaming gigante remunerasse pequenas Blockbusters para que reempacotassem seus filmes em formatos mais atraentes.

Ao anunciar a proposta, o Google disse que escutou, em alto e bom som, que era preciso fazer mais para apoiar publishers ao redor do mundo. Será? Não é tão simples.

Há quem diga que, com iniciativas como essa, as plataformas digitais estão dando com uma mão—informação de qualidade— algo que tiram com a outra, ao não coibir enfaticamente a desinformação e os discursos de ódio.

Além disso, estariam se adiantando ao regulador, que buscaria arbitrar um poder desproporcional dessas plataformas de atrair recursos que antes ajudavam a manter o jornalismo profissional.

Na quinta (8), a Justiça francesa decidiu que o Google deve negociar com as empresas de comunicação o uso do conteúdo que produzem. O objetivo é encontrar uma fórmula permanente e sustentável (portanto, diferente da proposta do Google, que fala em contrato temporário para um conteúdo específico) para remunerar editores e agências de notícias.

No Brasil, entidades do setor pressionam o Congresso a incluir na lei de combate a fake news um dispositivo que obrigue as plataformas a pagar pelo conteúdo jornalístico.

Resta saber se a proposta resolve o problema dos jornais ou o das grandes empresas de tecnologia.

Em 2019, a receita da Alphabet, a controladora do Google, superou US$ 161 bilhões. Assim, em troca de uma pequena fração de sua receita, o Google driblaria o regulador e ainda ganharia um discurso poderoso de que está apoiando a democracia e defendendo a liberdade de expressão.

Mas essa não é uma história de vilões e mocinhos. Para os jornais e revistas envolvidos, os acordos com a empresa (individuais e sigilosos) estariam entre os licenciamentos de conteúdo mais vantajosos já feitos. Além disso, a visibilidade de conteúdo pode ser um bom negócio, sobretudo para os jornais regionais, ajudando a atrair mais assinantes.

Há questões não respondidas. Os jornais vão deixar de cobrir as plataformas digitais como deveriam? O Google pode estar, na verdade, criando um concorrente? O acesso a notícias de vários veículos pode funcionar como um desestímulo ao assinante?

Toda essa discussão não exime o jornalismo de responsabilidades. Não há salvador da pátria. É preciso se reinventar, investindo em tecnologia, provando ser relevante e estar conectado com um público que também se transforma.

No fim das contas, a saúde financeira de veículos de comunicação interessa também porque é esperado deles que prestem um serviço em nome do interesse público. Voltando ao paralelo com os filmes, o desafio aqui é não só fazer que a notícia continue sendo entregue em outro formato, mas garantir que ela não deixe de ser entregue.

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