Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

As direitas se movem

Jornal serve às estratégias políticas que se deslocam rumo à 'moderação'

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Às vésperas do primeiro turno das eleições municipais que ocorrem neste domingo (15) e que excluirão os eleitores de Macapá, humilhados por um apagão que adiou a votação, a Folha conseguiu causar barulho mirando o pleito de 2022.

Na ilustração, elos de corrente pretos com um amarelo no meio
Carvall

Reportagem publicada no impresso de domingo (8) chamou de "centrista" eventual aliança entre o apresentador da Rede Globo Luciano Huck e o ex-juiz Sergio Moro. Segundo o texto, "dois dos principais nomes do centro no espectro ideológico na política" haviam iniciado conversas de olho na eleição presidencial de 2022.

Foi a senha para que toda a repercussão do furo dado pela Folha saísse da órbita da sucessão presidencial para fixar-se na tentativa do jornal de empurrar a união ao centro político, balaio no qual ainda foram incluídos o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM).

Os leitores não deixaram barato. "Neste domingo a Folha se superou: Moro e Huck de centro? O jornal esqueceu o pacote anticrime?", perguntou um leitor. "O tempero da redução da desigualdade viria das visitas do Huck às casas dos brasileiros para fazer surpresa com presentes?", ironizou outro.

"Percebe-se que a direita está em crise quando dois dos seus principais representantes são vendidos ao público como moderados de centro", afirmou um terceiro.

Como na sexta-feira (13) o jornal já havia rebatizado a união de "frente de centro-direita", é possível esperar que antes das eleições de 2022 a Folha consiga situar a aliança de modo mais preciso.

Faz parte do jogo político que os atores busquem se vender como uma promessa de moderação, sobretudo após se darem conta de que a adesão ao governo Bolsonaro não saiu como imaginada. Huck disse, em 2018, que Bolsonaro tinha uma chance de ouro de ressignificar a política no Brasil, enquanto Moro não só pavimentou o caminho que nos levou ao capitão como se colocou às suas ordens.

Que uma reportagem reproduza essa ideia sem reflexão é grave. Que a cobertura, ao longo da semana, tenha alterado o enfoque de centro para a centro-direita sem explicação ao leitor é incompreensível.

As reportagens aceitaram de modo acrítico uma operação de reposicionamento de marca do ex-juiz e do apresentador global. Mas falar de desigualdade social não faz de Huck um centrista, assim como deixar o governo Bolsonaro (ou ter sido empurrado para fora dele) não encurta a distância existente entre Moro e o centro político.

Com o furo no domingo, a Folha escancarou a régua ideológica do jornal—que já negou a extrema direita a Bolsonaro e agora concede o centro à dupla Moro e Huck.

No entanto, as posições políticas se localizam mais à esquerda ou mais à direita do espectro ideológico a depender de como são elaborados os temas econômicos e sociais, da coerência entre eles, dos compromissos assumidos em cada uma dessas esferas e da forma como isso se traduz em políticas públicas.

No sábado (14), em editorial, a Folha disse em favor da abordagem que definir o centro político é tarefa ingrata e sujeita a subjetivismos. Que tal ouvir o próprio Moro?

Em entrevista ao jornal O Globo na segunda (9), questionado sobre o modo como enxerga hoje Bolsonaro, o ex-juiz disse que o que falta ao presidente é "ímpeto reformista".

Também não é demasiado lembrar que, ao Estado de S. Paulo, Rosângela Moro disse ver o marido no governo Bolsonaro como "uma coisa só".

Na qualificação da aliança, nem O Estado, que oferece ampla vitrine a Huck em série de entrevistas que faz com personalidades, foi tão longe. Repercutindo a matéria da Folha, o concorrente disse sobre Moro que, "embora tenha rompido com Bolsonaro, sua passagem recente pelo governo federal pode tirar o caráter centrista que os apoiadores de Huck gostariam de dar a uma eventual candidatura".

Por fim, não há nada mais autoritário e retrógrado do que um dos pontos centrais da política de segurança de Moro—a previsão de imunidade de agentes de segurança que cometam excessos por medo, surpresa ou violenta emoção. Isso num país com alto nível de violência policial em especial contra a população pobre e negra.

Entre os leitores, ficou a percepção de que a Folha inicia a cobertura das eleições de 2022 sem a devida imparcialidade. Curiosamente, ferramenta do jornal que monitora o debate político no Twitter aponta Huck à direita do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), e Moro, como esperado, próximo de Bolsonaro.

Os centros se movem, é verdade, mas na base de compromissos. Se as eleições municipais ou mesmo o desfecho do pleito americano enviam sinais de que a enorme onda de direita dos anos mais recentes perde fôlego, a busca por um Biden tropical deve envolver de tudo até esforços para esquecer o papel do tal centro na ascensão do governo atual.

O que não pode é a Folha participar desses esforços, servindo às estratégias de políticos que acham que os ventos agora sopram a favor da moderação. Se for fazê-lo, é preciso deixar isso claro ao leitor.

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