Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

Suspeitas de crimes sexuais

Antigos clichês da cobertura devem ser trocados por sobriedade e informação

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Em 28 de novembro, a Folha publicou reportagem sobre uma acusação de estupro feita pela jornalista Amanda Audi contra o professor universitário Alexandre Andrada.

Segundo o texto, sem ouvir todas as testemunhas indicadas no inquérito nem aprofundar a investigação, a polícia enviara à Justiça um relatório que resultou no arquivamento do inquérito.

Pictograma de uma pessoa em preto atirando as palavras "Lorem isum dolor sit amet, ibki tut". A frase se liga a sombra azul da pessoa que faz o mesmo gesto com o braço esticado para frente e recebe as palavras
Carvall

Uma semana depois, Andrada obteve espaço na página A3 do jornal para escrever sobre os fatos: disse que o jornal publicara informação grave e inverídica a seu respeito, com base em uma denúncia arquivada havia meses pelo Ministério Público e sem entrar em contato com ele para ouvir sua versão.

Audi poderia fazer o mesmo? Não, porque a pedido dos advogados de Andrada, a Justiça a proibiu de falar sobre o caso.

Em email à ombudsman, Andrada questionou também se seria ético a Folha "usar seu staff" para reverberar o que seria uma calúnia, graças aos laços de amizade entra a jornalista e alguns de seus funcionários. Audi é jornalista, assim como as três testemunhas arroladas no caso (uma delas repórter da própria Folha).

Entre leitores, a maioria homens, a decisão de publicar a reportagem foi criticada, pois teria potencial de destruir reputações. O jornal errou?

O que define se um assunto deve ou não ser publicado é o interesse público, e ele existe neste caso. É inegável que a publicação do texto expôs os envolvidos, mas isso foi feito a partir de fatos de conhecimento público e que produziram consequências jurídicas.

O inquérito foi arquivado por falta de provas, mas isso não reduz o interesse da reportagem. O arquivamento é decisão da Justiça, passível de reconsideração, como diz o texto.

Andrada diz não ter sido ouvido pela reportagem, o que seria grave. Ocorre que Andrada não foi ouvido, mas seu advogado—seu representante legal—foi, o que atende a regra básica de ouvir o outro lado.

O caso foi exposto em redes sociais pela jornalista envolvida antes de ser proibida pela Justiça de falar sobre o assunto. Depois disso, foi feita a reportagem, que parte do princípio de que ouvir todas as testemunhas teria sido crucial.

No texto que escreveu para a Folha, porém, Andrada informa que as testemunhas foram arroladas pela defesa.

É comum, dizem advogados, que investigados indiquem uma série de testemunhas para exaltar suas qualidades ou mesmo atrasar o andamento do inquérito, o que acaba pesando na decisão do delegado de ouvi-las todas ou não.

Logo, seria importante que a informação de que as testemunhas foram indicadas por Andrada estivesse na reportagem inicial, pois, para o entendimento do desfecho do inquérito, faz diferença saber quem as indicou.

Há outro ponto que chama a atenção. O texto não diz, mas o arquivamento do inquérito ocorreu há cerca de cinco meses. Já a última postagem da jornalista sobre o caso deu-se em 3 de novembro—o gancho para que outros jornais publicassem material sobre o caso.

O UOL, por exemplo, publicou a matéria no dia 4 de novembro, um dia depois do tuíte mencionado. No caso da Folha, por que publicar a reportagem 25 dias depois? O jornal demorou a conseguir acesso a informações mais detalhadas do inquérito? Foi o tempo necessário para ouvir todos os envolvidos?

A falta de explicações ao leitor fortalece o argumento do corporativismo ou, nas palavras de Andrada, de "uma resposta a laços de amizade": a ideia de que a reportagem só saiu porque algumas pessoas da mídia estão envolvidas.

Como já disse neste espaço, os jornalistas encaram como secundários pontos que, uma vez expostos, afastariam teses conspiratórias e trariam muito mais segurança ao leitor.

Vinicius Mota, secretário de Redação da Folha, diz que a reportagem recolheu elementos para questionar a solidez da investigação criminal de um caso denunciado pela própria jornalista em suas redes sociais e ressalta que a defesa do acusado foi ouvida.

Em resposta à publicação do texto de Andrada, Mota diz que o jornal tem o compromisso de oferecer amplo espaço ao contraditório a quem é acusado ou manifesta queixas sobre reportagens, como é o caso, e a página A3 é um espaço tradicionalmente usado para essa finalidade.

No mais, Andrada usa para se defender alguns estereótipos que rondam as vítimas de acusação de violência sexual. E causa surpresa que o promotor do caso tenha dito que se tratava de um caso de "duas pessoas confusas de suas intenções e sentimentos", observação que não me parece fazer parte das suas atribuições.

A Lei Maria da Penha cita os valores éticos dos meios de comunicação, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar.

Portanto afastar a cobertura de casos que envolvem suspeitas de crimes sexuais de velhos preconceitos e clichês é mais do que uma prerrogativa moral, está na lei. A abordagem, porém, não pode ser feita à custa de sobriedade e do máximo de informação.

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