Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Descrição de chapéu inflação

A resiliência de Bolsonaro

Números favoráveis ao governo são aspecto mais intrigante de pesquisa Datafolha

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Manchete da edição impressa da Folha de quarta-feira (17) informava que a rejeição a Jair Bolsonaro na gestão da pandemia alcançou a pior marca desde que a crise começou.

Na ilustração, um boneco do modelo "joão bobo" com a cara de Jair Bolsonaro
Carvall

Segundo o Datafolha, 54% veem a atuação do presidente na gestão da crise como ruim ou péssima —alta de seis pontos percentuais em relação ao último levantamento em janeiro.

Além da gestão da crise, a pesquisa aferiu também a capacidade de liderança do presidente (56% acham que Bolsonaro não tem condições de liderar o país), e a avaliação geral do governo, visto como ruim ou péssimo por 44%.

Para alguns leitores, o que chamou a atenção foram outros números: "Nossa, errei feio! Sempre achei que a rejeição a esse senhor, particularmente em relação à pandemia, fosse bem maior", disse um deles. "Será que quando chegarmos a 400 mil mortos a aprovação cai mais um pouquinho?", perguntou ironicamente outra leitora.

O ângulo escolhido pelo jornal na análise dos dados jogou luz sobre o que parece ser uma tendência: a alta da rejeição ao presidente na gestão da pandemia, de 12 pontos percentuais desde dezembro.

Mas o que dizer dos 46% que veem a gestão da crise como ótima, boa ou regular? Ou dos sólidos 30% que aprovam o governo?

Será que a notícia não seria a resiliência de Bolsonaro, que no momento mais agudo da crise sanitária é visto como capaz de liderar o país por 42% dos brasileiros (cerca de metade dos homens, dos moradores do Sul e dos evangélicos, além de 70% dos empresários)?

As notícias da semana justificam o questionamento.

A pesquisa foi feita entre segunda (15) e terça (16). Nesses dias, as primeiras páginas da Folha mostravam que, desde o início da pandemia, mais de 72 mil pessoas morreram de Covid-19 sem que tivessem acesso a um leito de UTI, que a vacinação só atingiu cerca de 30% das pessoas dos grupos prioritários e que o país teria seu quarto ministro da Saúde em 12 meses.

Informavam também que a quebra de sigilos de pessoas ligadas ao senador Flávio Bolsonaro revelava indícios, segundo o UOL, de que o suposto esquema de "rachadinha" ocorria nos gabinetes de Jair Bolsonaro, quando deputado federal, e de Carlos Bolsonaro.

Diante de tal quadro, é legítimo argumentar que os holofotes no último Datafolha poderiam ter sido colocados também sobre os números favoráveis ao governo e ao presidente.

José Henrique Mariante, secretário-assistente de Redação, diz que a notícia que se impunha era a piora geral na avaliação de Bolsonaro, não só no quesito popularidade, que se iguala ao pior índice do governo dele, mas na gestão da crise.

"Além disso, 43% dos ouvidos apontaram o presidente como maior culpado pelo quadro atual, de longe o maior índice na comparação com outros possíveis responsáveis. Fugir desses fatos seria brigar com a notícia", afirma. Ainda assim, diz Mariante, a resiliência da parcela que apoia Bolsonaro foi tratada em reportagens e análises publicadas.

Talvez não com a profundidade que merecia. Conhecidos os números do Datafolha que tratam da avaliação do nível de gravidade da pandemia e das expectativas econômicas da população, publicados entre sexta (19) e sábado (20), fica ainda mais difícil entender a resiliência de Bolsonaro —e mais urgente explicá-la.

Segundo a pesquisa, 65% dos brasileiros dizem que a situação econômica do país vai piorar, e apenas 14% esperam melhora da própria situação econômica. Quase 80% dizem que o desemprego vai crescer nos próximos meses e 77% acham que a inflação vai subir.

O país conseguiu até mesmo despencar no ranking global de felicidade, segundo reportagem da Folha de sábado (20).

Se 79% acreditam que a pandemia está fora de controle e 65% dizem que a situação econômica vai piorar (pessimismo que, curiosamente, é maior no Sul, região com índices mais altos de aprovação a Bolsonaro), por que 54% avaliam o próprio governo como ótimo, bom ou regular?

A resistência da avaliação do presidente se choca com a degradação das expectativas sanitárias e econômicas, além de desafiar a compreensão geral sobre quais são as responsabilidades da mais alta autoridade da República.

Mesmo em meio a tanto pessimismo, menos de 50% reprovam o governo (44%), e metade não quer o seu impeachment. Deve haver algo mais a ser dito sobre o fenômeno.

No momento, a situação é macabra: 1 a cada 4 mortos pela Covid-19 no mundo é brasileiro. Nas próximas semanas, teremos a volta de um auxílio emergencial bastante desidratado e a continuidade de um quadro de muita incerteza sobre o ritmo de vacinação.

Ao enfatizar a alta da taxa de reprovação na gestão da pandemia e não a resiliência do presidente Bolsonaro, o jornal deixou em segundo plano o aspecto mais intrigante trazido pelos números. A profusão de dados impõe à cobertura da Folha uma boa capacidade de análise, que precisa ser bem executada para que não seja confundida com desejo ou torcida.​

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