Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Descrição de chapéu juros

Lula, Bolsonaro e os mercados

Desafio é explicar oscilação da Bolsa ou do dólar sem que resultado soe precário

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"Bolsa cai 4% e dólar vai a R$ 5,78 sob temor de populismo com Lula no páreo", informou a principal reportagem do caderno Mercado na Folha impressa de terça-feira (9) sobre os eventos do dia anterior.

Em manchete, o jornal Valor Econômico disse que o "risco-Lula" azedava o clima no mercado, enquanto O Globo destacou a maior cotação atingida pelo dólar desde maio de 2020. Em nota menor, o jornal O Estado de S. Paulo dizia que a anulação de condenações de Lula derrubara a Bolsa.

Na ilustração, um homem rola um círculo com uma vara -- o círculo é um gráfico de pizza
Carvall

Na quarta (10), mais uma reportagem na Folha afirmava que a ascensão de Lula retardaria o rompimento do mercado financeiro com Bolsonaro. Outra dizia que o investidor via mais risco fiscal com o petista do que com o atual presidente.

O clima ruim do mercado financeiro respondia, segundo os próprios operadores, a algo ocorrido na segunda-feira (8): a devolução dos direitos políticos ao ex-presidente Lula, resultado da decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin de anular as condenações de Lula pela Justiça Federal de Curitiba no âmbito da Lava Jato.

Um dia depois, o STF retomou o julgamento sobre a parcialidade de Sergio Moro, que pode anular os atos do ex-juiz em processos que envolvem Lula, mas que foi interrompido por um pedido de vista.

O nervosismo dos mercados refletido nas páginas de jornais foi grande, mas só durou dois dias, até que o próprio Lula falasse na quarta-feira.

No primeiro discurso após ter condenações anuladas, Lula fez duras críticas à atuação de Bolsonaro na pandemia e ao papel da imprensa durante a Lava Jato.

Quanto aos mercados financeiros, disse estranhar o temor em relação à possibilidade de uma candidatura sua, sobretudo após uma convivência pacífica por dois mandatos.

Diante da cobertura, alguns leitores voltaram a questionar a relevância dada pela imprensa à opinião do mercado financeiro sobre fatos políticos.

Chamaram a atenção os esforços precários de interpretar as chances de retorno do petista ao Planalto, além da rapidez com que operadores financeiros abandonaram o assunto.

É normal que a imprensa busque explicar por que a Bolsa subiu ou caiu, ouvindo, como seria esperado, os operadores desse mercado.

No entanto, a lógica do mercado financeiro é, em geral, de curto prazo. Assim, o operador ou analista que fala hoje sobre uma suposta candidatura de Lula em 2022 não está, necessariamente, tentando entender como seria um novo mandato do ex-presidente, mas quais serão os efeitos dessa notícia sobre a alocação dos ativos nos próximos dias. Ou minutos.

Ao longo da quarta-feira, os movimentos dos principais ativos financeiros voltaram a responder às preocupações mais imediatas, como os riscos que envolviam a aprovação (ocorrida dois dias depois) das medidas de ajuste fiscal que serviriam de contrapartida à nova rodada do auxílio financeiro.

Captando a mudança, a Folha voltou ao "efeito Lula", mas, dessa vez, ouvindo economistas de diferentes perfis em reportagem publicada na edição impressa de quinta (11) sob o título "Após discurso, fica mais difícil mercado reeditar 'risco-Lula', dizem analistas".

Na sexta (12), o pânico parecia coisa do século passado.

Em entrevista à BBC News Brasil publicada na Folha, Mark Mobius, investidor estrangeiro cujo foco são países em desenvolvimento, disse que um governo Lula não assustaria, e que se o "populismo" der origem a um surto de crescimento, melhor.

No Valor, o economista Delfim Netto disse que não via reação contrária à eventual eleição de Lula, pois não houve "presidente que mais protegeu o mercado financeiro e teve boa relação com empresários".

Os representantes dos mercados financeiros devem ser ouvidos como qualquer outro participante relevante do debate econômico. Mas o leitor perde quando o jornal se limita a ouvir um grupo às vezes pouco expressivo de operadores ou quando deixa de levar em conta as expectativas de outros mercados (como o consumidor, o de trabalho, as empresas e assim por diante).

Os acontecimentos dos últimos dias mostram como algumas interpretações podem ser efêmeras, um problema que não precisa ser resolvido pelo mercado financeiro, que opera nessa lógica, mas pela imprensa, cuja função é também alimentar a reflexão e o debate.

São leituras provisórias e arriscadas, que tentam estabelecer relação entre eventos financeiros complexos e a mais recente novidade política — envolvendo Lula, Bolsonaro ou qualquer outro personagem.

O retorno de Lula ao jogo foi a grande notícia da semana e é relevante entender seus efeitos econômicos e políticos. Explicar as oscilações da Bolsa, do dólar ou dos juros futuros sem que o resultado soe como um conjunto frágil de narrativas desconexas ou conclusões apressadas é um desafio para o jornalismo econômico.

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