Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

Notícias sobre vacinas

Jornais devem mostrar relevância da vacinação sem meias palavras ou títulos dúbios

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Na quarta (3), nota da seção Painel publicada no site da Folha dizia que "Médico do Corinthians recém-vacinado está no grupo de contaminados em surto de Covid-19 no clube".

Um dia antes, uma chamada do UOL nas redes sociais alertava que "Socorrista do Samu pega Covid-19 após tomar segunda dose de vacina".

Na ilustração, uma borracha apaga o jornal estilizado
Carvall

Alguns leitores não perdoaram. "Tudo para ganhar uns likes. Negacionistas agradecem", dizia um internauta. "Mas vacina não salva?", questionava outro sarcasticamente.

De modo diferente do tuíte do UOL, a nota do Painel teve o cuidado de colocar já no título que o médico havia sido vacinado recentemente —indicando ao leitor que o organismo do imunizado não teve tempo para construir a defesa contra o vírus ou que a pessoa já estava infectada quando foi vacinada.

No site, o UOL complementou o título ("Socorrista pega covid após tomar 2ª dose da vacina; Butantan explica"), sugerindo que a história era mais complexa do que parecia.

No esforço de produzir informação sobre a vida na pandemia, a vacina é a nova máscara: à medida que a vacinação avança, as explicações sobre como funcionam os imunizantes vão sendo destrinchadas pela imprensa, assim como ocorreu com o distanciamento social, a higienização das mãos e os tratamentos ineficazes.

Especialistas ouvidos pela coluna dizem que é preciso que a imprensa mostre que a vacinação é crucial para o controle da pandemia, sem meias palavras nem títulos dúbios.

Sendo assim, como chamar a atenção para esses casos incomuns sem alimentar a desinformação e levar o leitor a pensar que vacinas são ineficazes ou até mesmo perigosas?

Com tanta notícia disponível, os títulos buscam cada vez mais atrair o interesse do leitor a partir de eventos excepcionais, como os vacinados infectados.

Com o avanço (ainda que a passos de uma tartaruga sonolenta) da vacinação, esses casos devem ganhar mais visibilidade porque chamam a atenção de uma audiência ansiosa por segurança —e de um grupo que tenta provar que sua opinião desfavorável ao imunizante é a correta.

O desafio é dizer em poucas linhas que podemos adoecer mesmo após tomar a vacina, sem passar a impressão errada de que o imunizante não funciona.

Carlos Orsi, editor-chefe da revista Questão de Ciência, diz que a solução para os títulos de reportagens sobre infectados recém-vacinados não é trivial.

"Colocaria no título que o médico do Corinthians pegou Covid-19. E jogaria para o subtítulo ou para o corpo da matéria a informação de que ele, provavelmente, se contaminou entre as duas doses da vacina. Sei que é heresia recomendar a um jornalista que esfrie um título [retire dele o elemento de maior atração], mas, dada a conjuntura atual, talvez essas coisas devam ser ponderadas antes de publicar", diz Orsi.

Há também desinformação deliberada. Na quarta-feira (3), leitores pediram à Agência Lupa que fosse verificado um vídeo em que Ana Paula Henkel, comentarista da rádio Jovem Pan e ex-jogadora de vôlei, fala de supostos efeitos adversos de vacinas e mortes de pessoas recém-imunizadas.

Segundo a Lupa, não há comprovação de que pessoas morreram depois de serem vacinadas contra a Covid-19. Os dados apresentados pela comentarista referem-se a eventos adversos suspeitos relatados ao CDC, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças do governo americano. "Não é possível dizer que a causa das mortes e dos sintomas foi a vacina, uma vez que outras doenças existentes podem ter provocado efeitos colaterais e os números podem estar errados ou incompletos", diz a Lupa.

O tema é tão complexo que até notícia boa pode atrapalhar o esforço de imunização.

Na quinta (4), reportagem da Folha dizia que britânicos com mais de 80 anos estão saindo do confinamento após a primeira dose da vacina, quando a proteção ainda é baixa, o que sinalizaria, segundo um especialista, que o governo deveria refletir a respeito "do risco de mensagens sobre o sucesso da campanha de vacinação, que podem transmitir uma falsa sensação de segurança em relação à Covid-19".

Recomendação que vale também para a imprensa, sobretudo no Brasil, onde ela é, muitas vezes, a principal fonte de informação, pois nem sempre o Ministério da Saúde oferece dados confiáveis.

No dia 21 de janeiro de 2020 a palavra "coronavírus" apareceu na capa da edição impressa da Folha pela primeira vez. Era uma chamada pequena, no canto inferior direito, que alertava que um vírus desconhecido causara a quarta morte na China.

Com hospitais lotados, recordes de mortes e sem vacinas suficientes, a perspectiva é que o assunto permaneça central por muito tempo. Se o governo beija a morte à força, como disse o colunista da Folha Silvio Almeida, é necessário que a imprensa siga cortejando a ciência e continue fortemente comprometida com a informação.

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