Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima
Descrição de chapéu Datafolha

O lobby da vacina

Semana teve também críticas de leitores à pesquisa Datafolha sobre Lula

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Em mais uma semana dificílima, com muitos milhares de mortos pela Covid-19, a revista piauí informou na quarta-feira (24) que um grupo do setor de transporte de Minas Gerais importou vacinas e, violando a lei, não fez a doação para o SUS, vacinando familiares e amigos.

Não era de todo inesperado.

Ilustração Ombudsman  publicada na Folha no dia 28 de março de 2021.
Folhapress

Há uma lei, aprovada em março, que permite a compra de vacinas contra a Covid-19 pela iniciativa privada, desde que as doses sejam todas doadas ao SUS até que os grupos prioritários estejam vacinados. Depois disso, as empresas podem aplicar livre e gratuitamente metade das vacinas que comprarem, enviando a outra metade ao SUS.

Desde então, associações de classe e empresários —liderados por Luciano Hang, da rede Havan, e Carlos Wizard, da Sforza —pressionam pelo direito de compra sem repasse. Wizard chegou a dizer que não vê lógica em doar para o SUS.

Ele não está sozinho. Leitores também não entendem por que a permissão de compra sem condicionantes seria ruim.

“A iniciativa privada comprando doses tiraria a obrigação do governo, que já se mostrou incapaz de conduzir a compra das vacinas. E com mais gente vacinada mais rápido, diminui a transmissão da doença, desafoga os hospitais e ainda sobram doses para que o SUS vacine as próximas faixas etárias mais rápido”, resumiu uma internauta.

A Folha vem acompanhando os lances jurídicos sobre o tema, assim como cada passo do lobby empresarial. Esmiuçou também a lei aprovada. Mas falta detalhar ao leitor (e ao empresário Wizard) o que estará em jogo se a proposta inicial for alterada.

O que significaria, neste momento, permitir a livre compra e também a venda de vacinas pela iniciativa privada? A autorização não subverteria a ideia de um plano nacional de imunização, segundo o qual a maioria da população precisa ser vacinada?

E mais: estando as classes altas e seus trabalhadores vacinados, de onde viria a pressão para a vacinação do restante da população? Há risco de os laboratórios preferirem vender a preços mais altos para a iniciativa privada e não para o governo?

A Folha precisa avançar na discussão, que inclui cada vez mais gente. Na quinta-feira (25), um dia depois da notícia sobre a “festa” da vacinação em Minas, Paulo Guedes, ministro da Economia, fez sugestões.

“Dizem que um grupo de empresários de Minas conseguiu ir lá fora comprar, já se vacinaram. Por enquanto, isso é ilegal. Agora, se a gente permitir que isso seja feito de forma legal e que eles façam doações… E aí você pode dar isenções para as doações que eles fizerem”.

O desejo de proteção urgente contra a Covid-19 é compreensível diante das mortes, do colapso do sistema de saúde e da falta de coordenação sobretudo do governo federal.

Mas para evitar que o salve-se quem puder da vacinação seja instaurado, é preciso explicar se a legislação já aprovada faz sentido do ponto de vista sanitário e, caso a regra seja alterada, indicar qual seria o efeito disso sobre o controle da transmissão do vírus.

Maioria acha Lula culpado; candidatura divide eleitor”, estampou a Folha em manchete da edição impressa de segunda (22), em referência ao Datafolha sobre o tema.

Leitores alegaram que a pesquisa extrapolou a política e promoveu um julgamento fora dos tribunais, baseado em uma cobertura acrítica da Lava Jato. Outros viram problemas na formulação da pergunta.

É a segunda vez que o Datafolha afere se os brasileiros consideram ou não justa a prisão do ex-presidente Lula.

Na primeira vez, em abril de 2018, foi perguntado: “No sábado passado Lula foi preso. Na sua opinião, a prisão de Lula foi justa ou injusta”?

Semana passada, a pergunta foi: “Em 2017 o então juiz Sergio Moro condenou Lula à prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá. Na sua opinião, a condenação de Lula na época foi justa ou injusta?”.

Muitos viram indução na questão. Diante das revelações da Vaza Jato, questionaram por que incluir o “à época” na pergunta, argumentando que faria mais sentido perguntar qual avaliação o entrevistado faz da prisão hoje.

Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha, disse à coluna que pesquisas têm por objetivo acompanhar as percepções que a opinião pública forma sobre determinados fatos. “Nesse sentido, na pergunta referida, o termo 'na época' foi incluído para situar o entrevistado de forma a não confundir com o julgamento atual do caso pelo STF. Trata-se de um recurso técnico para ajudar a padronizar o entendimento da questão por todos os entrevistados”, afirmou.

Paulino disse que a percepção da população se dá para todos os assuntos públicos, sejam políticos, sociais, econômicos ou jurídicos. “Ou só deveríamos perguntar para economistas sobre expectativa de inflação ou para epidemiologistas se a pandemia está controlada? Pesquisas medem percepção e não conhecimento”.

A dúvida dos leitores é legítima, afinal o modo como as perguntas são formuladas importa. O que o caso sugere é que as eleições de 2022 estão bem mais perto do que os muitos meses até lá indicam. E o leitor já deu mostras de que está atento à cobertura do jornal no que promete ser um longo período pré-eleitoral.

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