Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

A (des)politização dos militares

Eleições de 2022 mostrarão distância real entre os fardados e a política

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Imagine um grupo relativamente coeso que apoiou um candidato a presidente saído de suas fileiras, tem a vice-presidência, sete ministérios, cerca de 2.500 cargos só no Executivo federal, assegurou reajustes de remuneração no Orçamento e, ainda assim, diz que não se dobrou à política.

Ilustração para Ombudsman, edição de 4.abr.21
Fernando Carvall

Qual a chance dessa tese ser acolhida sem muita reflexão? Alta, se esse grupo for formado por militares e a leitura de suas movimentações for feita pela imprensa, como mostraram os episódios da semana.

Na segunda-feira (29), o presidente Jair Bolsonaro demitiu, como já esperado, Ernesto Araújo do Itamaraty e trocou, de modo surpreendente, mais cinco ministros, incluindo o da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. A saída de Azevedo e Silva foi coroada no dia seguinte pela demissão dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Na terça-feira (30), a manchete do jornal Estado de S. Paulo dizia que “Ministro da Defesa caiu por recusar uso político das Forças Armadas”, enquanto o jornal Valor Econômico destacava que militares resistiam a alinhamento. Na quarta (31), foi a vez de O Globo ressaltar que “Militares recusam adesão política, e Bolsonaro troca chefes das Forças”.

Na Folha, a discussão sobre o “uso político” dos fardados apareceu com mais destaque em um editorial (“Dever cumprido”), que abordou o incentivo de Bolsonaro à “inadmissível politização dos quartéis”, indicando que “tal pretensão abjeta” não encontraria “eco no alto oficialato ativo do país”.

Os exemplos mostram a adesão dos jornais à versão dos próprios militares de que as mudanças na chefia das Forças Armadas são um sinal inequívoco da recusa militar à politização imposta pelo presidente.

Como já escrevi antes, a tese segue a lógica que marca a cobertura jornalística desde o início do governo Bolsonaro, segundo a qual os militares seriam atores desinteressados pairando acima da política e compondo uma ala do governo responsável por conter os excessos do presidente.

A justificativa para a saída do comando militar, segundo a Folha, foi a pressão do presidente no sentido de “alinhar as Forças com a defesa política do governo”, sobretudo em relação à pandemia (cuja tragédia foi gerenciada por um general da ativa no Ministério da Saúde). Com menos destaque, falou-se também em “intenções golpistas”.

Os militares estão alinhados a Bolsonaro desde antes das eleições, quando se engajaram em sua campanha. Nos últimos dias, o presidente parece ter exigido alinhamento ainda maior. A troca do comando, no entanto, não permite concluir que os militares não se dobraram à politização das Forças.

Seria importante entender se há limites que as Forças Armadas não se dispuseram a cruzar, quais são eles e, ponto máximo de atenção, se as polícias estaduais estariam propensas a isso. Sobre a discussão, há dois bons episódios do podcast diário da Folha, o Café da Manhã.

Quanto às intenções golpistas mencionadas, como não é a primeira vez que Bolsonaro revela a inclinação, valeria investigar que tipo de golpismo repaginado seria esse —a ponto de Azevedo e Silva, que ano passado sobrevoou com Bolsonaro manifestações pelo fechamento do Congresso e do STF, achar por bem dizer em sua saída que assegurou o papel das Forças como instituição de Estado.

No mais, os militares parecem buscar se afastar da crise política e sanitária hoje instalada, e o presidente pode ter dado ao grupo a saída do labirinto no qual o próprio grupo se dispôs a entrar, como apontou análise publicada na terça (30) pela Folha.

Voltando à ideia segundo a qual os militares recusam a adesão à política, os tuítes postados pelo então comandante do Exército, o general Villas Bôas, um dia antes do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Lula, em 2018, provam que a conclusão exige bem mais cautela.

Após mais de 30 anos de redemocratização, os militares mergulharam até a ponta do quepe na política. Se vão recuar, só as articulações para as eleições de 2022 e o olhar atento da imprensa dirão.

Na edição impressa de segunda (29), a Folha publicou o texto “Folha cobriu Lava Jato com olhar crítico ao longo de 7 anos da operação”.

Muitos leitores se sentiram incomodados. “Nada mais brega e arrogante do que o autoelogio. Nesse quesito, o jornal se equipara aos políticos que precisam a toda hora reafirmar seus feitos e esconder suas mazelas. Seria mais honesto, e mais útil aos leitores, um artigo mostrando onde foi que o jornal errou”, disse um leitor.

O título destacou a operação Lava Jato, mas o conteúdo da matéria misturou cobertura da Lava Jato e da Vaza Jato —esta última funcionando como ponto de apoio importante ao argumento do olhar crítico sobre a operação.

O texto subestima o poder de julgamento do leitor. No fim das contas, cabe a ele dizer se a Folha cobriu ou não com olhar crítico a operação.

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