Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima
Descrição de chapéu

O caso do menino Henry

Mistura de comoção e audiência testa fatos e fotos da cobertura jornalística

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Há um mês, soube-se que a polícia do Rio de Janeiro investigava a morte de um menino de 4 anos, Henry Borel.

No desenho, um circo com a tenda com listras brancas e vermelhas. Ele tem uma bandeirinha no topo, e na placa de entrada está escrito "notícia". A placa é azul, as letras são brancas e há estrelinhas em volta da palavra
Carvall

A criança chegou morta a um hospital na madrugada de 8 de março, levada pela mãe, Monique Medeiros, e seu namorado, o vereador Jairo Souza Santos, conhecido como Dr. Jairinho (sem partido).

Na disputa que se instalou pela apuração do caso, jornais e revistas exploraram cenas do garoto flagrado um pouco antes da morte, relatos de supostas agressões do vereador envolvendo outras crianças e, ápice da história até o momento, a prisão do casal na semana passada, sob suspeita de matar a criança e atrapalhar as investigações.

A Folha entrou mais tarde do que a concorrência no caso (Globo à frente) e, se não derrapou no tom dado à cobertura, também não trouxe informação exclusiva sobre o assunto.

Mas uma imagem que mostrava a mãe carregando o corpo do menino, publicada no site na segunda-feira (12) e na versão impressa no dia seguinte, incomodou leitores.

“A informação de que o menino teria saído morto de casa poderia ter sido dada, como foi pelos outros jornais de peso no país, sem a publicação de uma foto grotesca, expondo o cadáver do menino por motivos sensacionalistas. Se a Folha queria desmontar a tese da defesa, por que não publicar a foto borrada no rosto dele? A questão não é a sensibilidade do leitor, mas a dignidade da criança”, disse um leitor.

Na discussão deflagrada pela decisão da Folha, dois pontos sobressaíram: se há interesse jornalístico a justificar a publicação da foto e se o ato afetaria a dignidade da criança.

Vinicius Mota, secretário de Redação da Folha, diz que a foto tem relevância jornalística evidente porque é prova importante na investigação de um possível assassinato de uma criança. “Por isso foi publicada nas plataformas digital e impressa da Folha”, afirma.

Segundo essa tese, a foto ajudaria a desmontar a versão da defesa de que o menino foi retirado com vida do apartamento. Isso porque peritos apontaram um horário provável da morte do menino, e as imagens do elevador, que marcam 4h09min do dia 8 de março, indicam que ele já estava morto havia algum tempo.

Com relação à imagem, ela é menos horrível ou vexatória por aquilo que efetivamente mostra —o menino nos braços da mãe —e mais porque sabemos o que ela informa.

De certa forma, a foto cumpriu um papel de materializar algo que para muitos é incompreensível: a possibilidade de que uma mãe mate o próprio filho ou aceite sua morte. Não se admite a foto porque, no fundo, não se entende o crime.

Mas há argumentos também bastante razoáveis a contraindicar a publicação.

Especialistas desaconselham o uso de fotos de crianças em situação de vulnerabilidade, sobretudo em tempos de internet, em que a foto pode ser descontextualizada e a imagem superexplorada pelo uso massivo e sem controle de outras pessoas ou mídias. Alguns deles entendem que os direitos de imagem continuam mesmo após a morte.

Havendo interesse jornalístico, a recomendação é que jornais e tevês optem por não mostrar o rosto da criança, embaçando a foto, por exemplo, sem nunca apelar ao recurso da tarja preta, que remete a estereótipos ligados à criminalidade e presentes por muito tempo na cobertura jornalística envolvendo crianças e jovens pobres e negros.

Se a imagem estivesse borrada e fosse acompanhada de legenda explicando o contexto, o que se perderia em termos de interesse jornalístico?

Não muito, sobretudo para um leigo. Para o leigo, a prova de que o menino está morto não se relaciona à imagem do menino em si, que parece estar dormindo, mas ao horário apontado pela imagem do elevador e às indicações da perícia sobre o momento do óbito.

Curioso é que a própria Folha tem solução para casos como esse.

O Manual da Redação diz que vídeos e fotos que envolvem conteúdos com cenas violentas ou chocantes e que tenham interesse jornalístico devem obrigatoriamente ser precedidos de um alerta —o que foi feito.

No entanto, embora o título da reportagem anunciasse a foto, o aviso no site que serve para impedir que o leitor veja o conteúdo sem que o deseje só foi providenciado um pouco mais tarde, provavelmente em decorrência do desconforto inicialmente causado.

Quanto ao impresso, o leitor não teve escolha: foi confrontado com a imagem na terça-feira (13) sem a possibilidade de nenhum tipo de aviso quanto a seu teor. Precisava?

O fato de jornais concorrentes terem escolhido não publicar a foto (ou publicá-la com algum tratamento) reafirma a existência de aspectos sensíveis em torno da questão.

O caso Henry choca por muitos elementos, que podem ajudar a entender, inclusive, as reações registradas diante de outros casos. Não custa lembrar que Lucas, 8, Alexandre, 10, e Fernando, 11, desapareceram no fim dezembro na Baixada Fluminense em história cujo desfecho não se conhece até hoje. Provavelmente por não se enquadrarem entre as “crianças lindas” mencionadas, sem aspas, em análise publicada pela própria Folha.

Nessa mistura de comoção, indignação e briga por audiência, o risco de representações equivocadas, prejulgamentos e sensacionalismo desafia fatos e fotos da cobertura jornalística, que precisa provar que amadureceu.

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