Gabriel Kanner

Presidente do Instituto Brasil 200, é formado em relações internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

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Descrição de chapéu Ásia

Crise envolvendo a Evergrande é a ponta do iceberg

Com desaceleração econômica, Partido Comunista Chinês concentra poder e intensifica controle social

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Essa semana, o nome da gigante do setor imobiliário chinês Evergrande estampou as manchetes dos jornais mundo afora. Com uma dívida de mais de US$ 300 bilhões —equivalente a 2% do PIB (Produto Interno Bruto) da China—, o medo da falência da empresa derrubou os mercados asiáticos e os efeitos foram sentidos nas bolsas do mundo todo.

O valor das ações da Evergrande despencou 90%, e é praticamente certo que a empresa não conseguirá honrar os juros da sua dívida no trimestre atual. A grande incógnita é se o governo chinês atuará para salvar a companhia, que emprega diretamente 200 mil pessoas, ou se a deixará à própria sorte.

Independentemente do desfecho da história envolvendo a Evergrande, há algo maior a ser analisado no cenário atual da China. A crise na Evergrande não é a causa dos problemas que o Partido Comunista Chinês enfrenta, mas a consequência de anos de desaceleração da economia.

Há pelo menos 30 anos, economistas tentam prever, sem sucesso, quando irá "estourar" a bolha chinesa. O governo sempre foi muito hábil em conseguir controlar possíveis bolhas que poderiam se formar em seu mercado interno. Além disso, o acelerado crescimento econômico ofuscava qualquer outro problema que o país poderia ter.

Vista do prédio do centro de operações da Evergrande, em Hong Kong
Centro de operações da Evergrande, em Hong Kong - Bobby Yip/Reuters

No início da década de 1990, a China crescia 14% ao ano. O mesmo ocorreu no início dos anos 2000, com crescimento de 10% em 2003 e 2004, e novamente de 14% em 2007. Após a crise mundial de 2008, o crescimento do PIB chinês começou a desacelerar ano após ano, e a previsão de analistas e do próprio governo chinês para 2022 é de um crescimento de pouco mais de 5%.

A economia chinesa já não é mais a mesma dos últimos 30 anos, e foi justamente a economia que legitimou o poder do Partido Comunista Chinês ao longo das últimas décadas. Os resultados econômicos justificavam qualquer ação do governo e invalidavam qualquer crítica. Porém, esse cenário começou a mudar. Vendo a desaceleração econômica e um possível crescimento da insatisfação da população com o governo, Xi Jinping têm agarrado o poder com cada vez mais força.

Podemos destacar dois pontos que indicam a intensificação do controle social de sua população por parte do governo chinês. O primeiro são os investimentos em segurança doméstica. O governo investiu em detectores de metais nos metrôs dos grandes centros e em câmeras de identificação facial nas ruas. De 2007 para cá, o orçamento desta área mais que triplicou, ultrapassando até o orçamento das Forças Armadas. Pode-se dizer que o Partido Comunista passou a se preocupar mais com a própria população do que com ameaças externas.

O segundo ponto é o resgate da Revolução Cultural, movimento de ideologização das massas chinesas encabeçado por Mao Tsé-Tung na década de 1960, que se estendeu até 1976. Em 1981, o próprio Partido Comunista considerou a Revolução Cultural o “retrocesso mais severo” desde a fundação da República Popular da China, em 1949.

Por isso, o atual movimento de Xi Jinping é tão significativo. Algo que, no passado, foi rejeitado pelo próprio partido, está agora sendo retomado a todo vapor. Neste ano, a China passou a incluir no currículo escolar estudos sobre Xi Jinping, inclusive comparando-o a Mao. Segundo o Ministério da Educação, "o pensamento de Xi Jinping" vai ajudar "os adolescentes a estabelecerem crenças marxistas”.

​Além disso, as novas diretrizes ajudarão a "cultivar os desenvolvedores e sucessores do socialismo com uma base moral, intelectual, física e estética completa”. É o bom e velho comunismo voltando a mostrar as garras na maior potência do mundo oriental.

Ainda não se sabe qual será o destino da Evergrande, mas a China que foi vendida ao mundo nas décadas recentes, como um país ex-comunista que havia se aberto para o capitalismo, parece estar com o futuro nebuloso. A concentração de poder nas mãos de Xi Jinping, sua retomada da Revolução Cultural e os investimentos em segurança doméstica são sinais de que, caso a população comece a demonstrar alguma insatisfação com a situação econômica do país, o governo estará preparado para responder à altura.

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