Eu gosto muito de uma propaganda da Folha, lançada em 1987, com texto pensado por Nizan Guanaes, que usa várias frases verdadeiras para montar um perfil que não poderia estar mais equivocado.
É uma chamada de atenção para o cuidado na avaliação de líderes políticos ou de outros assuntos. A peça termina com a seguinte frase: É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade. No Brasil de 2020, ultrapassamos esse ponto: contam-se mentiras falando só mentiras, sem problema nem pudor. A verdade não aparece sequer para dissimular.
O exemplo clássico é Bolsonaro. Costumo chamá-lo de “minto”, acho que cai bem. O caso mais recente foi a afirmação de que nunca tinha dito que o coronavírus era uma gripezinha. O fato de tê-lo feito em pronunciamento oficial pareceu não constranger. Disse, em live, que fez uma consideração sobre si mesmo, no que foi prontamente seguidos por seus apoiadores fiéis. O seu recurso à mentira, aliás, é tão comum que esta Folha criou o “bolsonômetro”.
Outro que usa muito o recurso é o governador de São Paulo, João Doria. Primeiro, afirmou que não sairia da prefeitura para disputar o governo. Depois, ao disputar o governo, atrelou-se ao presidente, fomentando o infame voto “Bolsodoria”, do qual depois se distanciou. E, claro, a mais recente foi a mentira sobre a segunda onda, que de “não há motivo para preocupação”, se tornou grave a ponto de retroceder todo o estado para a fase amarela, levando para isso apenas uma madrugada: aquela entre o segundo turno das eleições municipais e a manhã de segunda-feira. Houve um tempo em que isso se chamava estelionato eleitoral.
Como fortalecer um padrão ético se sempre existe alguém pronto para defendê-los até na mentira? Eleições têm consequências. Mentiras também. Se aceitamos cada vez que um de nossos líderes mente, se criamos desculpas, se relativizamos esse comportamento, ajudamos, nós também, a erodir a confiança de todos nas instituições e naqueles que as lideram.
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