Glenn Greenwald

Jornalista, advogado constitucionalista e fundador do The Intercept

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Glenn Greenwald

Redes sociais refletem os problemas sociais, não os causam

Acusar plataformas é mais fácil que implementar políticas para prevenir tiroteios em escolas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Uma sociedade assolada por uma epidemia de tiroteios em escolas, ameaçados e concretizados, é, por definição, uma que sofre múltiplas e profundas patologias. Crimes desse tipo são tão monstruosos e incompreensíveis que só poderiam surgir de uma doença disseminada e multifacetada: espiritual, política, econômica e social.

É difícil para qualquer governo enfrentar uma deterioração tão fundamental, complexa e abrangente. Muito mais fácil e rápido é encontrar bodes expiatórios convenientes e direcionar a ira pública para eles.

Velas e bichos de pelúcia deixados em frente à escola Cantinho Bom Pastor, em Blumenau, alvo de ataque que deixou quatro crianças mortas - Bruno Santos - 6.abr.23/Folhapress

Quando os tiroteios indiscriminados em escolas chegaram ao conhecimento público nos EUA —com o massacre de Columbine, em 1999— não havia redes sociais para culpar. Assim, os políticos naquela época tentaram atribuir a culpa a um carrossel de culpados: música rock, videogames, filmes violentos, o niilismo das letras de Marilyn Manson e uma subcultura gótica conhecida como a máfia dos sobretudos ("the trenchcoat mafia").

Como se viu, não foi nenhum desses vilões fáceis que levou esses dois jovens a tais atrocidades, pelo menos não a causa principal. Em vez disso, ficou claro que muitas vezes assassinatos sem sentido desse tipo estão relacionados a transtornos mentais não detectados.

Desde Columbine, ocorreram centenas de tiroteios em massa nas escolas. A grande maioria foi motivada por um conjunto complexo de problemas emocionais, psicológicos e sociais, muitos dos quais a sociedade tem a capacidade de solucionar.

À medida que terríveis massacres escolares aumentam no Brasil —ocorreram pelo menos nove ataques desde agosto— esse padrão se repete. Mas, em vez de tentar culpar a cultura gótica ou videogames, o governo federal concentrou grande parte de suas energias em um vilão: a internet em geral e, em particular, as redes sociais. O ministro da Justiça, Flávio Dino, repetidamente ameaçou e agora está implementando novas medidas para responsabilizar as plataformas que ele alega serem uma causa primária.

Na quarta-feira (12), Dino anunciou uma portaria "que prevê multa para as redes sociais que não cumprirem as regras para combater conteúdos que fazem apologia à violência e ameaças de ataques em escolas no Brasil". Na quinta-feira (13), prometeu "que nenhuma empresa terá uma regulação maior do que as leis em vigor no país".

Poucas ameaças são mais aterrorizantes para pais e alunos que massacres escolares. Portanto, é razoável e bem-vindo que o governo enfrente esse problema com todas as ferramentas disponíveis.

Isso, no entanto, não significa que todos os supostos vilões sejam realmente culpados ou que devamos acolher todas as ações do governo contra esse problema. Assim como foi provado nos EUA, especialistas alertam que transtornos mentais são uma das principais razões pelas quais qualquer jovem consideraria praticar um ato tão horrível. Portanto, é lógico que a falta de serviços de saúde mental disponíveis seja uma das principais razões pelas quais tais ataques podem se proliferar.

Enfrentar os problemas de saúde mental, mitigar os danos psicológicos persistentes causados pelo isolamento social e avançar significativamente contra a enorme desigualdade e niilismo espiritual requer trabalho, recursos e vontade política.

Acusar o Telegram e o Twitter de não monitorar suas plataformas é barato, rápido e fácil. Exercer maior controle sobre o fluxo de informações online vem sendo um dos principais objetivos do establishment brasileiro desde muito antes do surto de ataques escolares. Vale a pena questionar se essas últimas medidas não exploram esses massacres para obter poderes há muito almejados.

Durante os debates sobre as ordens de censura do ministro do STF Alexandre de Moraes, seus defensores afirmavam que a proibição no Brasil ao "discurso de ódio" impede que ideologias radicais floresçam. No entanto, a evidência de ideias políticas odiosas, incluindo símbolos nazistas, é cada vez mais comum entre os atiradores escolares. Pode-se concluir que essas leis que criminalizam o discurso de ódio não são tão eficazes em extinguir tais ideologias.

Quando um número significativo de jovens de uma sociedade é atraído por movimentos sociopatas ou ideias assassinas, é sinal de um fracasso profundo em fornecer os meios para que uma população espiritualmente saudável floresça.

A internet, como a música ou filmes que adolescentes consomem, pode refletir essas falhas, mas não é a causa. No entanto, culpar as redes sociais, filmes e músicas é uma solução barata para os políticos e, por isso, estão sempre em oferta.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.