Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier
Descrição de chapéu

Viva a nossa coadjuvância

Por mais esforçado que seja o pai, nos primeiros meses do bebê, somos como Chitãozinho e Robin 

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Todo trabalho de grupo tem uma pessoa que trabalha mais. Nunca me dediquei tanto a nada na minha vida quanto à paternidade, mas, ainda assim, é preciso ser sincero. Por mais esforçado que seja o pai, nos primeiros meses de vida do bebê, somos como Chitãozinho, Sancho Pança, Robin, Pumba e aquele supergêmeo, coitado, que só sabe virar água, enquanto a irmã vira qualquer tipo de animal existente ou mitológico. Existe, na paternidade, uma grande desigualdade de superpoderes.


Ilustra Catarina Bessel para Gregório Duvivier de 26.fev.2018
Catarina Bessel

Mil séculos de avanços científicos e o homem ainda não sabe fabricar um rim, mesmo com todo o dinheiro do mundo, dentro do maior laboratório que há. A natureza é sábia, não sei se o homem aguentava essa pressão. Tudo o que o meu corpo produziu na vida inteira foi uma pedrinha de dois milímetros de ácido úrico. E até hoje reclamo da dor.

A mulher, sozinha, sem qualquer ajuda, faz um corpo inteiro: trilhões de células, diz o Google. E tudo isso, pasme, prestando atenção em outra coisa.

Nunca vou me acostumar com isso: enquanto conversava comigo, a mãe da minha filha produziu um corpo inteiro dentro do corpo dela. Ao mesmo tempo em que tomava banho, trabalhava, assistia a séries, ela fez, como se nada fosse, braços, pernas, orelhas, olhos, pulmões, coração, fígado, estômago, bexiga, fez coisas que ela não sabe nem pra que é que servem, fez baço, pâncreas, vesícula, córnea. Da minha parte, tenho dificuldade em prestar atenção num filme enquanto faço um misto-quente. Imagina se eu tivesse que fazer um cérebro.

E não para por aí. Depois que o bebê nasce, a mãe ainda faz o leite. E ela não precisa ter estudado alquimia nem nutrição nem culinária: o leite que ela faz é perfeito e tem tudo de que o bebê precisa. E ela faz do próprio corpo uma lanchonete aberta 24 horas, um bandejão popular que produz uma seiva, até hoje, inimitável.

Nesse processo todo, sobra pra gente o resto. Mas alto lá: a coadjuvância é, também, uma arte. Não vou dizer que é fácil. Chitãozinho sabe das dificuldades de se fazer segunda voz. Robin, coitado, precisa se humilhar numa vestimenta pra lá de ridícula.

No nosso caso, a coadjuvância envolve coisa pra caramba: amar profundamente, botar pra arrotar, trocar fralda, ninar, cantarolar, esterilizar, mas, sobretudo, lembrar todo dia que a mãe tá operando um milagre. Se dependesse de mim, tava ninando uma pedrinha de ácido úrico.

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