Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier

Um pouquinho de ufanismo

Embora nossos governos tenham investido no retrocesso, nossos cientistas sempre souberam driblá-los

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O Prêmio Nobel foi vencido por 369 estadunidenses. Na Alemanha, são 107. Na Ucrânia, cinco. Dois prêmios foram pra Santa Lúcia —não a santa, mas o país. Sim, existe um país chamado Santa Lúcia, e não apenas um, mas dois santalucenses já levaram o Nobel. Trinidad e Tobago, Hong Kong, Chipre, todo país tem um laureado pra chamar de seu. O Brasil tem cinco Copas do Mundo, mas Nobel, nenhum.

A conclusão é fácil: somos um país de selvagens. Em vez de contar átomos, contamos embaixadinhas. Claro que não ganhamos o Nobel: em vez de sonetos fazemos passinho, em vez de raiz quadrada, o quadradinho de oito.

Alto lá, jovem. Peço licença aqui para um pouquinho de ufanismo. Embora nossos sucessivos governos tenham investido pesadamente no retrocesso, nossos cientistas sempre souberam driblar os criacionistas que nos governam. Só pra citar os mais pop: Oswaldo Cruz, que além de dar nome ao bairro, erradicou a febre amarela e a bubônica na cidade, Cesar Lattes, que além de dar nome ao seu currículo, descobriu o méson-pi, Carlos Chagas, que, além de dar nome à doença, foi o único na história a descrever o ciclo completo de uma enfermidade. Vital Brazil, José Leite Lopes e tantos outros e outras que nunca sequer viraram nome de rua —quanto mais algum prêmio em vida.

Ilustração Gregorio Duvivier
Catarina Bessel/Folhapress

E ai de quem falar mal da nossa literatura. A culpa não é das estrelas, é dos escandinavos. Não cabe aqui revolta, no entanto, mas um pouco de pena.

Duvido que os jurados tenham topado com um romance do Graciliano Ramos, tenham recortado e colado na cortiça um conto da Clarice Lispector, tenham copiado na agenda um poema do Drummond, tenham invejado de morte um poema do Bandeira. Nunca leram Machado, o que dirá de Jorge Amado. Nunca decoraram um poema da Cecilia Meireles, nunca leram na diagonal Euclides da Cunha, nunca correram pro jornal pra ler o Veríssimo.

Passaram uma vida sem ouvir falar em Lima Barreto, que dirá Carolina de Jesus. Não sabem o que é aprender a ler com Ziraldo, nem aprender a amar com Vinicius, nem a escrever com João Ubaldo, não sabem o que é torcer pro mesmo time de Nelson Rodrigues. Nunca vão entender o que é que significa não entender Guimarães Rosa. Duvido que algum dia leiam um soneto do Glauco Mattoso, um romance da Ana Maria Gonçalves. Morrerão sem ler Rubem Braga.

Quando ganhou o Bob Dylan, escancarou-se a ignorância. Letra de música também vale? Então não conhecem Chico? Caetano? Aldir Blanc? Pobres suecos. O bom de estar à margem do mundo é que nossos tesouros são só nossos.

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