Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier
Descrição de chapéu

O paradoxo da ofensa

Tô rindo, mas isso não pode estar certo

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Num debate televisivo, Renato Aragão se disse contra “humor com religião”, mas não conseguiu segurar o riso ao ver um vídeo do Porta dos Fundos. O apresentador perguntou: “Tá rindo?”. Ao que ele respondeu, gargalhando: “Tô rindo. Mas isso não tá certo”. A fala de Renato virou um clássico instantâneo no Porta a tal ponto que batizou nosso bloco de Carnaval: Tô Rindo Mas Tô Puto.

Muita gente está, pela quinta ou sexta vez, ofendida com o especial de Natal do Porta dos Fundos. Essa é uma das desvantagens de se morar num país desenvolvido. Com o que mais vão se indignar nesse país desprovido de miséria ou de corrupção? O povo precisa se indignar com alguma coisa.

Colagem com a foto de Renato Aragão, o Didi Mocó, com uma camiseta escrita "Tô rindo mas tô puto". A letra "t"na palavra "puto"é um crucifixo.
Catarina Bessell/Folhapress

Queria atentar, no entanto, pra um problema de lógica. Os ofendidos se dividem em dois grupos. O primeiro grupo assistiu ao episódio e o segundo não assistiu. O primeiro grupo se constitui por pessoas muito curiosas porque, apesar de cristãs fervorosas, escolheram assistir a um especial de Natal do Porta dos Fundos. Ou não sabem o que é o Porta dos Fundos, ou não sabem o que é Natal. Há ainda uma terceira hipótese: o espectador sabe o que são ambos, mas adora sentir o gosto do ultraje. Em nenhum dos casos há algo que possa ser feito pra atenuar seu sentimento.

Confortar esse espectador, ultrajado por vontade própria, seria ultrajá-lo uma segunda vez, negando a ele o sentimento do ultraje.

Existe, é claro, a possibilidade de ele ter sido obrigado a assistir e, nesse caso, recomendamos que processe a pessoa que segurou sua cabeça enquanto ele assistia. Deve haver alguma lei que o incrimine.

O segundo tipo de espectador me interessa ainda mais. Apesar de não ter assistido ao episódio, ficou ofendidíssimo com ele. Isso equivale a um sujeito que processa por intoxicação alimentar um restaurante em que ele nunca comeu. “Absurdo! Li o cardápio e comecei a passar mal.” Se ele está ofendido pelo que viu na matéria da Record, processa a Record. 

Ou seja, a ofensa com o episódio gera um paradoxo lógico: ou você escolheu se ofender, logo não temos culpa, ou não assistiu, logo não pode ter se ofendido, logo não temos culpa. 

Ah, pra quem se interessou: o bloco carnavalesco Tô Rindo Mas Tô Puto deve sair no mês de fevereiro, e nesse ano o desfile vai ser bíblico. “Ele está no meio de nós.” Traga sua túnica e venha rir junto com a gente —mas sem perder a indignação jamais.

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