Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier

Não há audiovisual mais fascinante do que o barraco gourmet

Gosto muito de ver porradaria diferenciada; ninguém se comporta pior do que um rico com o drinque na mão

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Gosto muito de ver barraco de rico. Não há conteúdo audiovisual mais fascinante do que a porradaria diferenciada. Tudo fica translúcido: nossa elite não merece o porcelanato que pisa, o rico não tem aptidão nem pra trocar tapa e não tem nada mais ridículo do que a ideia de meritocracia —afinal, se são aquelas pessoas que detêm o dinheiro e o poder, alguma coisa deu muito errado.

No Rio, um barraco viralizou envolvendo uma arquiteta jogando uma garrafa em mulheres de biquíni num conversível, enquanto em São Paulo um médico ganhou notoriedade berrando que tinha "berço", além de um delegado só seu, enquanto espalhava perdigotos. Nada mais carioca que o primeiro, nada mais paulista que o segundo: os barracos revelam as especificidades do nosso país.

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Catarina Bessel

Nos vídeos, ninguém usa máscara, a não ser os funcionários. A pandemia não aparece nem como pano de fundo das discussões. Nosso rico está mais preocupado com outras coisas que as 140 mil mortes: reserva no Gero, ultraje ao pudor.

Curiosamente, o pobre é quem tem sido o alvo preferencial do nosso humor —feito sobretudo por gente rica. Talvez por isso a televisão —sobretudo a cabo— gravite tanto em torno de muambeiros, suburbanos, farofeiros —e tão pouco em torno de coaches, CEOs, banqueiros, pastores.

Ainda hoje, zapeando pelos humorísticos, você vai ver uma vasta fauna de atores ricos fantasiados de pobres, com dentes pintados de preto, falando "pobrema" e se esbofeteando por qualquer coisa. "Kleydianne, você pode até ter saído da favela", diz o ator, com a mão nas cadeiras, "mas a favela não saiu de você!". As piadas, recicladas do rádio, repetem o mito de que o pobre merece a desigualdade porque "não sabe se comportar".

As redes sociais provam o contrário: ninguém se comporta pior do que um rico com o drinque na mão. O ridículo jorra do chão na Faria Lima, enquanto o Leblon esconde uma jazida de vergonha alheia. De Trancoso a Jurerê, existe todo um pré-sal de comédia a ser explorado.

O pobre leva a fama injustamente. O médico do Gero, se não fosse médico e não estivesse no Gero, já tinha tomado um sopapo. Até o direito ao barraco, no Brasil, é um privilégio. Proponho inclusive que se troque a expressão "barraco" por uma mais justa. "Vocês viram o duplex com varanda gourmet que rolou no Leblon? Teve soco pra tudo quanto é lado, parecia uma mansão."

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