Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Gregorio Duvivier

Deve haver alguma fraude atrás de tanta fralda nas farmácias por todo lado

Talvez seja sinal dos tempos, pois a drogaria diz sobre como estamos, ou seja, assépticos, hipocondríacos e solitários

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Assisti, com tristeza, ao fechamento da Gávea Shop, a padaria do Moraes Moreira —assim chamada não porque o cantor fosse o seu dono mas um assíduo frequentador.

Era a última padaria do bairro, ou pelo menos da região, a ostentar frangos giratórios e pães colegiais. “Onde tomaremos nossa média requentada?”, perguntavam os passantes. O que substituirá os frangos? A que assistiriam os cachorros que por ali passassem?

“Alguma padaria gourmet”, vaticinavam os pessimistas. Donuts substituirão a rosca; cookies, o mentirinha; macchiatos, a média. O sonho, não tinha dúvida, acabaria. Acabou.

Colagem com um homem de braços abertos segurando uma embalagem de remédio em uma das mãos. No fundo, um estandarte "2º piquenique carnavalesco""Rivotrio"
Catarina Bessel/Folhapress

Eis que, no lugar dos sonhos, surgiram 30 opções de protetor solar. Paredes e mais paredes de fralda descartável. Totens de rejuvenescedores dermocalmantes para reparação corporal. No lugar da Gávea Shop, brotou uma Farma Life.

O curioso é que já tinha sete farmácias nas redondezas. Numa distância de 200 metros: Venâncio, Pacheco, Belacap, Cristal, Raia, Drogasmil e outra Cristal. Todas elas oferecendo os mesmos remédios, dos mesmos laboratórios.

Nenhuma delas trabalha com homeopatia, manipulação ou fitoterapia. Quando tive pedra nos rins, procurei em todas elas um chá de quebra-pedra. Um cabelo-de-milho. Não encontrei. Mandaram, com desdém, procurar no Mundo Verde. Encontrei.

Não tem um dia nessa cidade em que não feche um bar, um teatro, uma padaria. Houve um tempo em que abriam, no seu lugar, igrejas e salões de beleza. Menos mal: lá não se falta assunto. Fala-se bem de Deus e mal dos outros, ou vice-versa. Na farmácia, nem isso. Só se troca um CPF e um “seu troco, senhor”, no máximo um obrigado, e olhe lá.

Às vezes suspeito de algum esquema. Deve haver alguma fraude atrás de tanta fralda. É a cara do Brasil descobrir que as farmácias estão para o Bolsonaro como as joalherias para o Cabral (inclusive explicaria a cloroquina).

Mas talvez seja apenas um sinal dos tempos. A drogaria diz muito sobre como estamos:
assépticos, hipocondríacos, solitários —não se vai em bandos à farmácia. Nela encontra-se tudo, menos o que você mais precisa: maconha, cerveja, psilocibina, ácido lisérgico, gás hilariante, quebra-pedra.

Ainda vão trocar o sol pela luz fria, a terra pelo porcelanato e trocar o nome do país pra BR LIFE, a primeira nação-farmácia.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.