Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier
Descrição de chapéu

Choronavirus, pãodemia e cloroquiners deveriam entrar para o dicionário

Na pandemia da Covid-19, nós ressuscitamos uma dezena de palavras moribundas e mortiças

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Você deve ter lido esta matéria: a língua alemã criou mais de mil palavras na pandemia. Chamam de “coronaangst” o medo da pandemia, e de “impfneid” a inveja das pessoas que já se vacinaram. Tem nome até praquele corte de cabelo que você fez em si próprio: “coronafrisur”, ou coronacorte.

“Até nisso os alemães trabalham mais que a gente!”, pensei, invejoso, antes de perceber que não ficamos pra trás. Não criamos mais de mil palavras, claro. Em português não é assim que funciona.

Palavra aqui não é mosquito, que basta um pouco de água parada pra se reproduzir. Nosso léxico, romântico, precisa de clima pra acasalar. Não se faz uma palavra assim: coronarraiva. Tá vendo? Não rolou. Em português tem que ter química pra dar match. Mas quando rola é bonito de ver. E aconteceu diversas vezes nessa pandemia.

À proliferação de padeiros deram o nome brilhante de pãodemia. Chamamos de choronavírus a tristeza pandêmica e as crises de choro tão comuns no confinamento.

Quarenteners são os que ainda acreditam nas recomendação da OMS, em contraponto aos cloroquiners, que confiam mais no general Pazuello. Os participantes de uma festa pandêmica são os covidados.

Já o imunizante chinês foi batizado por seus detratores de Vachina. Repleto de bonecas e brinquedos, o lugar em que escrevo virou um ex-critório. Esse acabei de inventar. Perdão.

Não só de palavras novas se encheu nossa boca. Ressuscitamos uma dezena de palavras moribundas, mortiças como a palavra mortiça. Os alemães, tão atentos à sustentabilidade, deveriam se perguntar: por que fabricar palavras com tantas encostadas, apodrecendo no armário? Lavou, tá nova.

"Assintomático” constava nos compêndios médicos, nunca tinha frequentado conversa de WhatsApp. A palavra “imune” pertencia ao Big Brother, assim como “confinamento” e “casa de vidro”. “Genocida” pertencia aos livros de história (que saudade) e hoje está em todas as goelas do país.

“Pandemia” morava nos cafundós do dicionário, perto da palavra “quarentena” —outra palavra mortiça que voltou a nos assombrar. Ou “platô”, antes restrita aos geólogos, e “cepa”, antes restrita aos enólogos. Disso também tenho saudades.

Não devemos nada aos gringos na abundância vocabular. Talvez só nisso, mesmo. Deve existir em alemão uma palavra pra inveja de alguém por algo que nós já temos. Em português existe: complexo de vira-lata. Aliás: vira-lata, que palavra.

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