Semana passada falei aqui sobre a falta que faz uma palavra melhor do que "esposa". Tem uma lacuna pior, e ainda mais funda. Poucas palavras são tão maltratadas em nossa língua quanto a "vulva" —e a palavra "vulva" é a prova disso, cheia de V, parecendo uma espécie de úvula ou de válvula.
A palavra "vagina", gelada, reduz a dita cuja a um aparelho reprodutor. Funciona pra designar a vizinha do rim ou a colega do pâncreas, mas seu uso deveria estar restrito aos compêndios médicos e às salas de cirurgia. Experimente falar "vagina" e imediatamente se acenderá uma luz branca.
No ambiente amoroso, tem efeito ainda pior do que "esposa". Equivale, no corpo masculino, ao "pênis" —mas nunca ao "pau", essa palavra que pode estar carregada tanto de ternura quanto de tesão. O paulista prefere o "pinto" —mas fica a advertência: fora do estado de São Paulo a palavra "pinto" pode causar ternura, mas nunca tesão. Assim como o "piru", variante regional carioca, risível em outros estados. A palavra "pau", no entanto, aceita do Oiapoque ao Chuí, não ofende nem humilha. Não há um "pau" fêmea.
"Pepeca"? Muito infantil. "Perereca"? Pior. "Perseguida"? Muito engraçadinha. "Xoxota" parece personagem do "Xou da Xuxa", prima do Xuxucão. "Xana"? Nome de princesa guerreira.
"Boceta" serve a muitos propósitos, mas todos eles obscenos. Não se usa numa coluna de jornal, nem mesma numa coluna sem classe alguma como esta. A "boceta" equivale à "piroca", e não ao "pau" ou ao "pinto". Cabe no calor do ato sexual, mas fora dele pode gerar revolta e indignação —se não acreditam, podem checar na seção de comentários desta coluna.
E mais: tem uma conotação frequentemente negativa —sobretudo, curiosamente, na boca de homens héteros. "Quem foi que colocou essa boceta aqui?", diz o sujeito, o mesmo que elogia dizendo "do caralho", ou "pica das galáxias". O mesmo hétero que cultua a rola despreza o suposto objeto de desejo.
Faz falta uma palavra neutra, que não pertença nem aos compêndios médicos, nem ao momento do ato sexual, nem à "Galinha Pintadinha". Haverá quem culpe o povo português, cuja língua teria pouca intimidade com a vulva. Seria injusto com os portugueses, inventores do minete, a felação quando aplicada na vulva. Sim, o brasileiro, inventor do boquete, nunca se deu ao trabalho de inventar um equivalente feminino pra ele. Esse país só toma jeito quando nossa língua descobrir a cunilíngua.
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