Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier
Descrição de chapéu

A incrível batalha das cobras de sete cabeças contra o paninho

A lógica não funciona quando tentamos explicar aos nossos filhos que os pesadelos não são reais

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Toda noite minha filha tem acordado com pesadelos dos mais diversos, envolvendo aranhas, jacarés e lobos maus. Tentei usar a lógica. "Lobo mau não existe", argumentei, sem sucesso, até porque ela também sonha com aranhas e jacarés. "No nosso apartamento não tem como entrar um jacaré. Imagina: ele teria que passar pela portaria, pegar um elevador." Assim que fechou os olhos, abriu o berreiro, imaginando esses jacarés todos entrando no elevador.

Lembrei dos fazendeiros texanos que tentam afastar os tornados dando tiro de espingarda —a prática é tão comum que o governo do Texas emitiu uma nota pedindo que parassem, porque era ineficiente e perigoso.

Ilustração representando uma criança deitada na cama, segurando um lencinho
Ilustração publicada em 11 de janeiro - Catarina Bessel

Usar argumentos contra pesadelos tem o mesmo efeito que mandar bala contra um furacão. Minha filha sabe que o jacaré não é real —mas isso não importa, porque, assim que ela fecha os olhos, ele se torna real, muito mais real do que se fosse real.

Enquanto a abraçava e dizia coisas inúteis como "vai passar" lembrei o quanto sofria com pesadelos quando criança. Sonhava todas as noites com cobras de sete cabeças e lobos maus de macacão —os lobos maus da minha infância usavam jardineira, e isso não os tornava menos assustadores, muito pelo contrário. Imagina um lobo bípede. É assustador. Agora imagina ele de macacão jeans. É aterrorizante, porque humaniza. Trata-se obviamente de um psicopata.

Por muito tempo não consegui dormir uma noite inteira. Acordava berrando com aquilo que hoje chamam terror noturno. Quem me salvou, acho, foi meu avô, Carlos, junguiano, que mandou de São Paulo um paninho de enforcar cobras e lobos maus. Era só um paninho velho, minha mãe explicou, mas no sonho podia assumir qualquer forma, podia virar uma corrente, ou uma capa, ou um escudo. Não lembro ter usado o paninho no sonho. Mas lembro não ter mais acordado à noite.

Peguei o primeiro objeto que tinha à mão: um gato de pelúcia. Expliquei que no sonho seria seu tigre de estimação. Podia botar pra correr todo tipo de bicho real e imaginário. Ela me olhou com desconfiança. Mas dormiu pouco depois. Abraçada ao bicho. E só acordou de manhã. Por essa noite, funcionou.

Contei a história do paninho pra minha analista (lacaniana), que achou uma grande estupidez. "Não é possível nem desejável controlar o inconsciente." Tá bom, mas tenta explicar isso pra uma criança de quatro anos.

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