Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier
Descrição de chapéu

Esse planeta distante chamado puerpério

Um neném torna tudo tão encantado que até sua caspinha tem nome de galáxia

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Escrevo de longe, deste país distante chamado puerpério. Já não sei nem se estamos no mesmo planeta. A gravidade parece diferente. Sem falar nos horários, os assuntos, as canções, o vocabulário: nem a língua que falamos é a mesma. Um bebê nasce junto com um vasto léxico, inédito pro resto do mundo.

O leitor que não viveu um puerpério nunca deve ter ouvido falar em crosta láctea, aquela casquinha que se forma na pele do bebê, debaixo dos finíssimos cabelos. Um neném torna tudo tão encantado que até sua caspinha tem nome de galáxia.

Ilustração de uma flor estilizada preta com 6 pétalas alongadas, centro circular com 2 estames e caule fino e longo. O fundo é todo branco.
Ilustração publicada em 19 de julho de 2022 - Catarina Bessel

Já o mecônio, essa palavra que parece nome de senador, designa a primeira substância que sai do nosso intestino. Ou seja, é o cocô antes do cocô, é o nosso protococô. O nome não faz jus à substância, coitada, que não fede nem cheira —apesar de gosmenta e esverdeada.

O bebê não nasce envolto em ketchup, como nos filmes, mas embebido num catupiry. Pois o requeijão tem nome: vérnix caseoso. Alguém precisa criar um banda de heavy metal com esse nome. Mas cria bem longe de casa, que eu preciso dormir.

Você conhece o cueiro, só não chamava assim aquele paninho que serve pra enrolar o bebê e fazer um charutinho. Ou melhor: serve pra não conseguir fazer um charutinho. Ou pelo menos não do jeito que faziam na maternidade. As enfermeiras humilham os pais, fazendo aquele charuto cubano inimitável. Entregam seu bebê na maternidade tal qual um Cohiba, um robusto Partagás. Chegando em casa, por mais que você tente enrolá-lo à perfeição, seu bebê vai ficar parecendo aquele Hollywood avulso que você esqueceu no bolso e botou pra lavar.

A apojadura lembra o nome de uma região da Espanha, mas designa os dias que se seguem ao colostro e antecedem ao leite, quando os seios da mãe parecem de pedra, e a mãe tem febre e tremores, e tudo isso enquanto o bebê se esgoela, e não dorme, até que o leite desce e então a natureza opera um segundo milagre, te fazendo esquecer que a apojadura nem aconteceu.

E a mágica maior: enquanto surge uma vida nova, o mundo desfoca e empalidece. O puerpério garante esse bem preciosíssimo que é o direito à alienação. Abrindo o jornal, sinto que escrevo de outra galáxia. Que bom tirar férias desse espaço tempo.

Insones, exaustos, flutuantes, somos astronautas em órbita. Uma crosta grossa nos separa do resto do mundo. A vida agora acontece em outra esfera: a láctea. Um bebê é o mais pertinho que um adulto consegue chegar do céu.

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