Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Gregorio Duvivier
Descrição de chapéu

Tanto quanto vacinas, fazer ciência também é pôr uma música pro seu filho dormir

Atividade pode estar mais próxima de um pai que dos avanços tecnológicos feitos em laboratórios ou na academia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições. Olavo Amaral é coordenador da Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade.

Quando me pediram para opinar sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil, hesitei. Não só por não saber a resposta, mas porque a pergunta pressupõe outra: O que é "ciência"?

A julgar pelo tanto que me mandaram seguir a ciência na pandemia, o normal é assumir que é algo feito por pessoas de jaleco em laboratórios, que curam doenças, descobrem coisas.

Cientistas indicam que o próprio sistema imunológico agravou casos de Covid-19 em pelo menos 10% dos pacientes - Marieli Prestes/Divulgação

Mas ciência também é pôr uma música pro seu filho dormir, alterná-la com outras nas próximas noites para testar a hipótese. Se feito com rigor, pode poupar um bocado de sono.

A ciência existe como empreendimento, mas antes existe como método. E o pai que embala o berço pode estar mais próximo da sua essência do que o laboratório, já que não vai dormir se estiver errado.

O mesmo não pode ser dito da academia, em que convencer os outros costuma ser suficiente pra alavancar carreiras. Aí, boa parte da ciência remete ao que o físico Richard Feynman chamava de "cargo cult science" —um ritual que segue o formato da investigação científica, mas carece de "uma espécie de honestidade total". A humildade de quem sabe que pode estar errado e faz esforços para não enganar a si mesmo.

Mas, voltando ao Brasil, eu diria que a ciência do berço é tão ou mais importante que a ciência da academia. Isso porque há mais a descobrir fora dos laboratórios do que dentro.

Um gestor público se depara sempre com situações em que a decisão certa não é óbvia, em que fazer perguntas como um cientista pode trazer respostas vitais. Quando ninguém sabia se corticoesteroides funcionavam com a Covid, o sistema de saúde público britânico resolveu a questão em três meses, poupando milhares de vidas.

Tratar decisões como experimentos nunca é postura fácil. Eu mesmo, quando achei que meu filho dormia bem com Strokes, segui tocando por seis meses. Para um político sem formação científica, imagino que a inércia seja maior. Minha recomendação é que ele não se inspire em mim, pois algo grande se perde quando abdicamos de admitir a dúvida —ou de enfrentá-la.

Não basta contar com a ciência. A hora de chamar os cientistas é a de fazer as perguntas. E, se posso dizer algo sobre o Brasil, é que perguntas não faltam.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.