Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições. Olavo Amaral é coordenador da Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade.
Quando me pediram para opinar sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil, hesitei. Não só por não saber a resposta, mas porque a pergunta pressupõe outra: O que é "ciência"?
A julgar pelo tanto que me mandaram seguir a ciência na pandemia, o normal é assumir que é algo feito por pessoas de jaleco em laboratórios, que curam doenças, descobrem coisas.
Mas ciência também é pôr uma música pro seu filho dormir, alterná-la com outras nas próximas noites para testar a hipótese. Se feito com rigor, pode poupar um bocado de sono.
A ciência existe como empreendimento, mas antes existe como método. E o pai que embala o berço pode estar mais próximo da sua essência do que o laboratório, já que não vai dormir se estiver errado.
O mesmo não pode ser dito da academia, em que convencer os outros costuma ser suficiente pra alavancar carreiras. Aí, boa parte da ciência remete ao que o físico Richard Feynman chamava de "cargo cult science" —um ritual que segue o formato da investigação científica, mas carece de "uma espécie de honestidade total". A humildade de quem sabe que pode estar errado e faz esforços para não enganar a si mesmo.
Mas, voltando ao Brasil, eu diria que a ciência do berço é tão ou mais importante que a ciência da academia. Isso porque há mais a descobrir fora dos laboratórios do que dentro.
Um gestor público se depara sempre com situações em que a decisão certa não é óbvia, em que fazer perguntas como um cientista pode trazer respostas vitais. Quando ninguém sabia se corticoesteroides funcionavam com a Covid, o sistema de saúde público britânico resolveu a questão em três meses, poupando milhares de vidas.
Tratar decisões como experimentos nunca é postura fácil. Eu mesmo, quando achei que meu filho dormia bem com Strokes, segui tocando por seis meses. Para um político sem formação científica, imagino que a inércia seja maior. Minha recomendação é que ele não se inspire em mim, pois algo grande se perde quando abdicamos de admitir a dúvida —ou de enfrentá-la.
Não basta contar com a ciência. A hora de chamar os cientistas é a de fazer as perguntas. E, se posso dizer algo sobre o Brasil, é que perguntas não faltam.
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