Acho engraçada a expressão "intestino preguiçoso". Humaniza o órgão, faz parecer que ele é como qualquer um de nós, que procrastina, dorme demais, perde tempo em rede social. Pobre intestino!
Vai ver não é preguiçoso, apenas millennial. Pode ser motivo de orgulho. "Meu intestino é adepto do slow living." Enquanto os outros órgãos não param de trabalhar, seu intestino já entendeu que existem coisas mais importantes na vida. Está lá jogando conversa fora com o rim, trocando figurinha com o baço.
A verdade é que tenho inveja de quem tem um intestino que funciona muito pouco. Ao menos tem alguma regularidade no seu não funcionamento. Por aqui, tenho o pior tipo de intestino que uma pessoa pode ter: o intestino mau-caráter.
Meu tubo digestivo só funciona quando não pode. Em casa, de manhã, se faz de morto. Agora basta eu pisar num transporte público e ele vira a locomotiva do progresso.
Quando preciso coletar material pra um exame ele dorme profundamente, mas quando paro num posto de gasolina ele acorda para a vida. Há quem tenha intestino preso, há quem tenha intestino solto, e há quem, como eu, tenha intestino sádico.
Nunca vi alguém gostar tanto de trabalhar em ambiente hostil: adora um supermercado, pira num bloco de Carnaval, se amarra numa fila do caixa eletrônico. Basta ficar sabendo que não tem banheiro e o sujeito já começa a despachar. Não pode ver um engarrafamento, um parquinho de criança, um elevador parado. Meu intestino não tem preguiça, ele tem é espírito de porco.
Nisso ele se parece muito com meu cérebro — além de produzir material de qualidade parecida. Sentado em frente ao computador para escrever piadas, só penso em tragédia.
Basta eu chegar a um enterro para ele se transformar numa máquina furiosa de piadas. O cara só me dá ideias decentes quando tem certeza de que não terei como anotá-las.
A falha de caráter é um traço dos meus órgãos de modo geral. Meus rins adoram soltar pedras em dias festivos. A garganta só inflama no feriado.
O mal disso é que não tem remédio. Um intestino preguiçoso pode ser combatido com mil substâncias: café, cigarro, iogurte. Não encontro nada no supermercado que ensine o meu intestino a ter decência.
Meu único consolo está no fato de ter conhecido, graças a ele, o banheiro de todos os estabelecimentos comerciais dessa cidade. Aliás: desculpem qualquer coisa.
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