Raisa é amiga querida, sempre preocupada com o bem-estar de quem está a sua volta.
Profissional de saúde e ativista, ajudou a criar o Zap da Saúde, serviço voluntário que dá orientações sobre Covid em comunidades. Sua mãe, dona Roseane, era professora da rede pública em São Paulo. Com a decisão de volta às aulas presenciais, em fevereiro, retornou à escola. Foi contaminada e, em poucos dias, morreu. Soubemos depois que havia transmitido o vírus ao marido, seu Lucio, que tragicamente também não resistiu. Raisa perdeu pai e mãe na carnificina de março. Não pude ainda abraçá-la. Faço com esta coluna.
Lamentavelmente, o caso de dona Roseane não foi único. A Apeoesp (Sindicato dos Professores do Estado) identificou 2.347 pessoas contaminadas, 1.071 escolas com foco de contágio e 60 mortes entre profissionais e alunos após o retorno às aulas no estado. Nesses números não estão os casos de transmissão familiar.
As crianças têm menos incidência de casos graves, mas, em casa, frequentemente vivem com os avós, mais vulneráveis ao vírus. Diante desse quadro, profissionais da educação organizaram uma justa greve pela vida, contra o retorno às aulas sem segurança.
O debate sobre educação na pandemia está ocorrendo no mundo todo e é polêmico. As consequências pedagógicas e psicológicas para as crianças são reais.
Como professor e pai de duas crianças, acompanho diariamente as dificuldades do ensino à distância. Vi minhas filhas retrocederem na habilidade de leitura e em operações matemáticas em 2020, por mais que eu e a Natália estejamos atentos a isso. Sem falar na ampliação das desigualdades educacionais: por falta de condições de acesso, milhões de estudantes estão sem qualquer tipo de aula desde o início da pandemia. E, para muitos, a merenda escolar era a principal refeição.
Mas uma coisa é certa: a solução não é arriscar a vida de professores, alunos e familiares, no pico da pandemia, com uma volta às aulas insegura.
Para reduzir as desigualdades, o governo deveria ter assegurado equipamentos e pacotes de internet a todos os estudantes que necessitam, como feito em outros países. Deveria ter entregado cestas básicas às famílias, compensando a falta da merenda. Para oferecer retorno seguro, deveria adaptar as escolas, garantindo mais ventilação, salas com menos alunos e condições de higiene adequadas. Difícil acreditar, mas 26% das escolas do país não têm nem água encanada. E, acima de tudo, não há retorno possível sem a vacinação dos profissionais da educação.
A tragédia familiar da minha amiga Raisa é devastadora e simbólica. Educação e vida não podem estar em trincheiras opostas.
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